Ativando resistência de plantas a pragas, por Décio Luiz Gazzoni

Publicado em 01/03/2024 12:17 e atualizado em 01/03/2024 12:54
Décio Luiz Gazzoni, engenheiro agrônomo, pesquisador da Embrapa e membro do Conselho Científico Agro Sustentável e da Academia Brasileira de Ciência Agronômica

A produção mundial de alimentos necessita duplicar até 2050, a fim de alimentar 10 bilhões de pessoas que habitarão o planeta naquele ano. Devido às restrições de expansão de área, e os impactos negativos das mudanças climáticas, o aumento da produção exige incrementos nos rendimentos das culturas. Para que a planta se aproxime de seu potencial produtivo, é importante o controle de estresses, bióticos ou abióticos, idealmente por tecnologias sustentáveis.

No caso de pragas que atacam plantas, uma fórmula importante para manter elevada produtividade é a aptidão da planta em tolerar ou resistir às pragas. Diversos estudos sobre o tema foram publicados recentemente pela equipe da School of Life Sciences da Tsinghua University e colaboradores de outras instituições, que levaram à identificação do link entre a percepção de diferentes patógenos pelas plantas e a ativação das resposta de defesa vegetal. Dois mensageiros secundários envolvidos na cascata de transdução de sinal foram caracterizados, as quais estão envolvidas na mediação de respostas imunológicas de vegetais.

Essas descobertas abrem caminho para a concepção de moléculas bioativas que poderão permitir aumentar a resistência das plantas às pragas.

Estratégia das plantas

No nível molecular, a principal estratégia imunológica empregada pelas plantas para perceber a presença de um patógeno envolve as proteínas chamadas “receptores de ligação a nucleotídeos ricos em leucina” (NLRs, na sigla em inglês), produto dos genes de resistência, também denominados como “genes R”. Os NLRs são proteínas intracelulares ativadas no momento do ingresso de microrganismos invasores de plantas, desencadeando respostas imunológicas de defesa das mesmas. Elas podem atuar direta ou indiretamente no reconhecimento dos patógenos. Existem duas classes destes receptores, distintos quanto à presença de diferentes domínios na região N-terminal da proteína, sendo os CNLs que apresentam um dominio coiled-coil e os TNLs com o dominio N-terminal Toll/interleukin-1 receptor (TIR).

Os receptores do tipo “Toll” são moléculas intracelulares ou que apresentam uma região na superfície da membrana da célula vegetal, responsáveis pelo reconhecimento de estruturas microbianas ou fúngicas e na geração de sinais, que levam à produção das respostas de defesa vegetal, como morte celular no sitio da infecção ou uma reação de hipersensilidade (HR). Essas reações iniciais são essenciais para a ativação das respostas imunes inatas.

Sabe-se que os receptores TNL e as proteínas TIR são enzimas induzidas por patógenos. As evidências sugerem que essas enzimas TIR participam na geração de substâncias mensageiras, que transmitem sinais para uma proteína imunológica (Enhanced Disease Susceptibility 1 - EDS1). No entanto, as identidades das moléculas precisas, geradas pelos TNLs ou TIRs, que estimulam as diferentes respostas imunes, eram obscuras até os estudos da equipe da Universidade de Tsinghua.

O mecanismo imunológico provoca uma resposta de hipersensibilidade, que culmina na restrição do crescimento do agente patogênico. Associado a isso – ou não - ocorre a morte das células do tecido próximo ao local da infecção, o que impede o fornecimento de recursos essenciais para o desenvolvimento do patógeno, levando ao controle da infecção no local.

Os novos avanços

Nos estudos dos cientistas da Tsinghua University, foi identificada a atividade de proteínas TIR-NLRs (TNLs). Ademais, também foi verificada a presença de proteínas menores, que igualmente, sinalizam à EDS1 para potencializar a resistência a doenças. Assim, pode-se dizer que a EDS1 funciona como um “centro de controle” que, dependendo dos tipos de proteínas com as quais interage, sinaliza às células vegetais para restringir o crescimento do patógeno ou provocar a morte celular, como formas de conter a infecção.

Particularmente, em dois dos estudos, os cientistas verificaram que a atividade dos módulos funcionais EDS1 – aqueles que levam à imunidade ou morte celular - pode ser desencadeada por enzimas TNLs, ativadas por patógenos dentro das células vegetais. Para identificar as moléculas menores produzidas por TNLs ou TIRs, e que atuam no EDS1, os cientistas reconstituíram componentes-chave da via de sinalização em células de insetos, um sistema que permite a produção e purificação de grandes quantidades de moléculas, que podem ser isoladas e caracterizadas.

Usando esta abordagem, os autores descobriram duas classes diferentes de moléculas geradas por ação de TNLs e TIRs. Estes compostos ligaram-se preferencialmente à proteína EDS1, ativando diferentes subcomplexos da mesma. Bingo! Ficou claro que diferentes subcomplexos de EDS1 reconhecem moléculas específicas produzidas por TIRs, que funcionam como produtos químicos transportadores de informação, para promover respostas de defesa pós infecção por patógenos.

Tecnologia sustentável

O mérito maior dos estudos foi elucidar os modos de ação bioquímicos dessas pequenas moléculas, o que descortina uma rota até então desconhecida na sinalização da imunidade das plantas.

Os receptores imunológicos TIR e as proteínas centrais EDS1 existem em muitas espécies agrícolas importantes, constituindo vários genes de resistência que estão presentes nas plantas e que são comumente explorados pelo melhoramento genético para produção de cultivares resistentes, por exemplo os genes de resistência a oídio e a fitóftora, recentemente clonados. A importância prática das pesquisas acima descritas está no fato de que as pequenas moléculas catalisadas por TIR, identificadas no estudo, podem ser empregadas como imunoestimulantes naturais para controlar doenças de cultivos agrícolas, em substituição aos pesticidas químicos sintéticos, uma forma mais sustentável de controle de pragas das culturas.

Fonte: CCAS

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