A grande migração da produção agrícola, por Aline Locks
Londrina, no Norte do Paraná, já foi a capital do café. Ilhéus, na Bahia, a capital do cacau. No interior de São Paulo, cidades como Araraquara correm o risco de perder a primazia na produção de laranja.
Nos mapas do agronegócio, migrações estão se tornando cada vez mais frequentes, impactando não apenas milhões de pessoas que vivem da terra ao redor do mundo, mas também mercados distantes das principais áreas de produção.
Trata-se de um problema global e complexo, pela multiplicidade de culturas afetadas e de causas na sua origem. Clima, incidência de doenças e conflitos, por exemplo, muitas vezes definem o que se planta, o que se cria, o que se vende e o que se compra.
Há exemplos claros dessa dinâmica ocorrendo neste momento. A citricultura brasileira, responsável pela produção de dois em cada três copos de suco de laranja bebidos no mundo, começa aos poucos a escanear novas zonas de produção, sobretudo em Minas Gerais.
O grande cinturão de produção de laranjas no interior paulista vive dois temores. O clima mais incerto aflige os citricultores, mas não tanto quanto o greening, doença ainda sem cura, causada por uma bactéria transmitida por um inseto-praga, e que costuma gerar prejuízos tão grandes que a opção é erradicar pomares.
O mal, que mudou a economia da do estado americano da Flórida, se alastra por São Paulo a ponto de fazer com que produtores estudem a opção de migrar para regiões vizinhas.
No café, dificuldades semelhantes, mas associadas ao clima, são vistas em várias regiões do mundo, inclusive no Brasil. Aqui, segundo estudo da Universidade Federal de Itajubá, algo entre 35% e 75% das terras onde hoje ocorre o cultivo podem estar inviáveis para esse fim até o fim do século.
A sensibilidade de algumas espécies – sobretudo a Arábica, uma das mais consumidas no mundo – às temperaturas extremas tem feito com que, ao longo das últimas décadas, agricultores tenham mudado de atividade ou de região.
No Norte do Paraná, o café perdeu espaço nos anos 1970, quando, depois de verem suas lavouras devastadas por geadas inclementes. Muitos migraram para regiões mais altas de São Paulo e do Sul de Minas Gerais, onde temperaturas mais amenas garantiam menor risco à produção – o mesmo se repete hoje em países produtores africanos, por exemplo.
Hoje, o calor e a estiagem assombram os agricultores em algumas delas. Ao mesmo tempo, o café avança para regiões do Cerrado, graças ao desenvolvimento de variedades mais adaptadas e à adoção de práticas de mitigação climática, como a agricultura regenerativa.
Os africanos, atuais reis do cacau, enfrentam os desafios da instabilidade climática, do envelhecimento das árvores, das práticas agrícolas inadequadas e o baixo volume de investimentos para renovação e melhoria do cultivo.
As quebras de produção em países como a Costa do Marfim, que concentra quase 60% de toda a oferta mundial, chegaram a 36% na safra 2022/2023. Com isso, os preços do cacau no mercado global estão quase 65% acima da média praticada há um ano.
Ciência e consciência, assim, mostram-se aliados imprescindíveis para reduzir riscos e efeitos de um mundo em transformação. O zoneamento climático de áreas agrícolas será cada vez mais importante para se entender o que e como plantar, reduzindo o consumo hídrico e promovendo a recomposição biológica dos solos. A opção a isso é migrar para a incerteza.
* Aline Locks é CEO da Produzindo Certo