Atrasos Preocupantes na Safra de Grãos
Prof. Dr. Marcos Fava Neves
Vinicius Cambaúva
Beatriz Papa Casagrande
Na economia mundial e brasileira, o Boletim Focus do Banco Central do Brasil, divulgado em 20 de novembro, trouxe a seguinte perspectiva para os indicadores econômicos no Brasil: o IPCA está em 4,55% (queda mensal) em 2023 e em 3,91% em 2024 (alta mensal); o PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer 2,85% em 2023 (baixa) e 1,50% em 2024 (manutenção da estimativa); já o câmbio deve fechar esse ano em R$ 5,00 e o próximo em R$ 5,05; por fim, a Selic está prevista em 11,75% ao final de 2023 e 9,25% em 2024.
No agro mundial e brasileiro, o índice de preços dos alimentos da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) obteve uma leve queda de 0,5% em outubro. A média fechou em 120,6 pontos, sendo 10,9% menor que o valor de um ano atrás e 0,7% abaixo do registrado em setembro (121,5). Somente o índice dos lácteos aumentou (+2,2%), após 9 meses em queda. A alta foi protagonizada pelo leite em pó em função das incertezas com a oferta da Oceania. Enquanto isso, os cereais tiveram queda mensal de 1,0%, puxada principalmente pelo arroz (demanda global mais tímida) e trigo (grande oferta nos Estados Unidos). Além disso, os óleos vegetais retraíram 0,7% de um mês a outro, muito por conta da baixa do óleo de palma, que superou as altas dos óleos de soja, girassol e colza. O açúcar, depois de altas consecutivas, reduziu 2,2%, isso porque mesmo com as projeções de oferta mais restrita em 2024, o Brasil deu tração na sua produção. Por fim, a carne também desvalorizou (-0,6%), devido à queda mais expressiva da carne suína.
No 7º relatório mensal do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) acerca da safra global de milho, a produção foi reestimada para cima: de 1,214 bilhão de t (outubro) para 1,220 bilhão de t (novembro), reajuste de 6,3 milhões de t, justificado pela melhora no quadro norte-americano, com o avanço da colheita e melhoria no clima. Se confirmada, a produção do cereal será 5,5% superior à do ciclo passado. Estados Unidos devem produzir 387,0 milhões de t (+ 11,0%), a China outros 277,0 milhões de t (0,0%) e o Brasil 129,0 milhões de t (-5,8%). Em relação ao nosso país, chamam atenção dois números: o valor final produzido na safra 2022/23, que segundo o USDA, somou 137,0 milhões de t; e a manutenção da estimativa de produção em 129,0 milhões de t para 2023/24, enquanto órgãos e consultorias no Brasil já reajustam para baixo estes valores, em função dos atrasos na soja, clima e custos. Os estoques finais estão agora estimados em 315,0 milhões de t, alta de 5,0% ou 15 milhões de t a mais que 22/24.
Em função da melhora na oferta, o preço do milho em Chicago (contrato de dez/2023) registrou queda mensal de 5,1%. Em 22/11, o cereal era negociado em US$ 4,703/bushel (em 22/10, foi de US$ 4,956/bushel).
A melhora nas condições das lavouras norte-americanas também trouxe impactos positivos na oferta global de soja: de uma produção prevista de 399,5 milhões de t (outubro) passamos a 400,4 milhões de t (novembro), volume adicional de 900 mil t e 7,5% superior ao de 2022/23. Brasil segue com as 163,0 milhões de t (+ 3,1%); Estados Unidos tiveram um leve ajuste para cima, passando a 112,4 milhões de t (+ 3,2%) e a Argentina deve entregar 48,0 milhões de t (+ 92,0%). Já os estoques foram reduzidos em 1,1 milhão de t nesta atualização mensal, e estão previstos agora em 114,5 milhões de t, 14,2% maior ou 14,5 milhões de t a mais que 2022/23. O contrato de jan/2024 da soja era negociado a US$ 13,656/bushel em 22 de novembro, 5,5% acima do preço registrado 30 dias atrás (US$ 12,949/bushel).
No algodão, a produção global foi ajustada para cima em 200 mil t da pluma: de 24,5 milhões de t (outubro) para 24,7 (novembro), uma oferta que será 3,0% inferior à de 2022/23. Os três principais produtores globais, China, Índia e Brasil, mantiveram suas estimativas em 5,9 (- 11,9%), 5,4 (- 4,9%) e 3,2 (+ 25,5%) milhões de t, respectivamente. Foi dos Estados Unidos, agora 4º maior produtor, tendo sido superado pelo Brasil, que veio a oferta adicional; devem entregar 2,9 milhões de t em 2023/24 (- 8,0%). Nas exportações da pluma, a disputa está acirrada: EUA segue na frente com 2,65 milhões de t previstas, enquanto o Brasil se aproxima com 2,57 milhões de t. Estoques finais de algodão devem ficar em 17,7 milhões de t, 1,9% menor. Nos futuros do algodão em Nova York, o contrato de mar/24 girava em torno de 80,80 centavos de dólar por libra-peso em 22 de novembro, 1,1% abaixo das negociações há um mês: US$ 81,70 cents/lb.
A colheita da safra 2023/24 de grãos nos Estados Unidos chega à reta final nesta 2ª quinzena de novembro. Até 19/11, o progresso no milho era de 93,0% (média dos últimos 5 anos: 91,0%) e no algodão, de 71,0% (média dos últimos 5 anos: 71,0%). Na soja, os trabalhos já foram finalizados.
No Brasil, o plantio do milho 1ª safra chegou a 49,0% das áreas até 18 de novembro, bem abaixo dos 62,6% registrados no mesmo período da safra passado. Os estados com maior avanço são o Paraná com 98,0% de progresso, Santa Catarina com 95,0%, Rio Grande do Sul com 80,0%, Minas Gerais com 50,4% e São Paulo alcançou 50,0%. Na soja, o atraso chega a 10,5 pontos percentuais, estando agora em 65,4% contra 75,9% no ano anterior. Seguem os avanços na semeadura da oleaginosa nos principais estados: Mato Grosso com 91,1%, São Paulo em 91,0%, Mato Grosso do Sul chegou a 87,0% e Paraná foi a 84,0%. Preocupa a situação do Rio Grande do Sul, onde as chuvas seguem adiando as operações; apenas 24,0% das áreas foram plantadas.
Em função dos atrasos, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) reajustou as projeções no 2º levantamento para a safra brasileira 2023/24 de grãos. No documento, foi indicada uma queda mensal de 1,5% na produção total, sendo projetada agora em 316,7 milhões de t. Esse resultado é 4,7 milhões de t menor que o registrado na última safra e 747 mil t abaixo do observado no último mês. A área, por sua vez, deve aumentar 0,5%, ficando em 78,9 milhões de ha. As culturas que apresentarão maior crescimento em produção são: o arroz (+7,8%) e a soja (+5,1%). A oleaginosa deve entregar um total de 162,4 milhões de t (7,8 milhões de t a mais que o último ciclo) com aumento de 2,8% em área (45,2 milhões de ha).
Em contrapartida, as principais reduções serão de mamona (-18,6%), milho (-9,5%) e sorgo (-9,0%). O milho deve ter a principal queda no plantio de segunda safra (-10,7%), entregando ao todo 119,1 milhões de t, ou 12,7 milhões de t abaixo da temporada 22/23. A área semeada com o cereal está prevista ser 5,0% menor, totalizando 21,1 milhões de ha divididos entre as 3 safras, isso porque o atraso no plantio da soja, que mostramos há pouco, vem preocupando os produtores, levando a desistências de plantio em alguns casos por conta janela apertada e maiores riscos de baixa produtividade. Apesar da queda mais expressiva, a “safrinha” continua sendo a mais representativa em área e produção: 16,4 milhões de ha e 91,2 milhões de t, representando 77,6% e 76,7% do total, respectivamente.
Nas culturas de inverno, a produção deve ser de 11,4 milhões de t, também revisada para baixo (-7,4%), com destaque para o trigo que deve reduzir em 7,9%, ficando em 9,6 milhões de t. O cereal vem sendo prejudicado pelos efeitos do El Niño nas lavouras. O aumento significativo das chuvas resultou em maior incidência de doenças e dificuldade da colheita do grão no teor de umidade ideal. Esse contexto acabou limitando as aplicações do trigo pela indústria moageira e na destinação para a alimentação animal.
As exportações do agronegócio no Brasil totalizaram US$ 13,38 bilhões em outubro, sendo 2,3% abaixo do reportado há um ano (US$ 13,68 bilhões). Mais uma vez, o resultado é influenciado pelo aumento do volume e queda internacional dos preços. Desde janeiro, o agro já exportou a cifra recorde de US$ 139,58 bilhões (+ 3,0% em relação ao mesmo período de 2022).
Os cinco principais setores que contribuíram para o aumento em outubro são: na liderança, o “complexo soja”, com US$ 3,90 bilhões (+12,2%), 29,1% de todas as vendas externas. O destaque vai para a soja em grãos, que atingiu US$ 2,89 bilhões no último mês, aumento anual de 24,0%, enquanto o volume embarcado foi 45,7% maior, totalizando 5,53 milhões de t (o maior volume para o mês de outubro). A quantidade exportada para a China chegou a ser quase 90% do total. Além disso, o farelo de soja também obteve cifra recorde para outubro, sendo US$ 920,77 milhões (+2,7%), com a União Europeia como principal destino.
Em segundo, temos os “cereais, farinhas e preparações” com US$ 2,00 bilhões (- 2,3%). O volume de milho também foi recorde, atingindo 8,44 milhões de t (+ 24,5%), enquanto o valor foi praticamente o mesmo de 2022 (US$ 1,89 bilhão | + 0,02%), situação essa que ocorreu devido à forte queda nos preços do milho (-19,7%) passando de US$ 278,82/t em outubro do ano passado para US$ 223,97/t no último mês. Em terceiro lugar ficou o setor das “carnes”, que registrou queda de 17,0%, ficando em US$ 1,89 bilhão, resultado da retração no volume exportado (- 0,2%), mas, principalmente, pela queda nos preços médios embarcados (- 16,9%). A carne bovina totalizou US$ 941,19 milhões (- 21,0%), o frango em US$ 712,27 milhões (- 11,4%) e os suínos, US$ 198,7 milhões (- 15,3%).
Em quarto lugar aparece o “complexo sucroalcooleiro”, com US$ 1,64 bilhão em exportações (+ 5,7%), um dos poucos setores com elevação em valor, puxada pelo aumento no preço do açúcar (+ 26,9%). Por último, os “produtos florestais” venderam US$ 1,00 bilhão no mercado internacional (- 30,5%) com todos os produtos do setor em queda. Enquanto isso, as importações em outubro foram de US$ 1,37 bilhão, configurando uma redução anual de 4,1%. Dessa forma, o saldo da balança comercial do agro foi US$ 12,00 bilhões (-2,0%).
As exportações brasileiras de frutas estão projetadas para atingir um novo recorde em 2023, superando os US$ 1,1 bilhão de 2021, segundo pesquisadores do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). De janeiro a setembro deste ano, o Brasil já exportou 694 mil t, totalizando US$ 794,9 milhões, o que representa um aumento de 5% em volume e 19% em receita. Esse desempenho pode ser atribuído ao aumento do preço médio, melhores condições logísticas e menor concorrência externa, destacando a capacidade do Brasil de fornecer frutas ao longo do ano quando outros players enfrentam desafios de produção ou entressafra.
O VBP (Valor Bruto da Produção Agropecuária) divulgado pelo Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) foi calculado em R$ 1,151 trilhão em outubro, um pouco acima do R$ 1,150 trilhão estimado no mês anterior e 2,2% superior ao mesmo período de 2022. O valor da produção das lavouras foi projetado em R$ 811,7 bilhões (+4,2%), enquanto a pecuária teve faturamento de R$ 339,9 bilhões (-2,1%). Dentre os principais produtos das lavouras, se destacam: soja, milho, cana-de-açúcar, café e algodão, representando 81,9% do VBP total da produção agrícola. No entanto, olhando para o desempenho, algodão, batata-inglesa, café e trigo tiveram fortes retrações de preços no mercado. Enquanto isso, na pecuária, os principais destaques foram, mais uma vez: suínos, leite e ovos, ao passo que a carne bovina e de frango não apresentaram resultados tão satisfatórios. Para o próximo ano, o VBP pode ser 5,3% menor que o registrado em 2023, visto as indicações de safra menor no Brasil. Mas ainda longe de saber pois os preços devem variar.
Um estudo feito pela Esalq-Log e a CNA (Confederação Nacional da Agricultura) revelou que 61% das fazendas brasileiras não tem estruturas para armazenar a crescente produção de grãos do país. Ainda, 72,7% desses produtores expressaram interesse em construir silos e armazéns em suas propriedades, porém, desde que as taxas de juros sejam atrativas. A dificuldade no acesso a crédito, falta de capital e outras prioridades são as principais razões pela falta do investimento.
O rápido aumento e incidência dos incêndios no Pantanal, praticamente quadruplicou os focos de calor para quase 5 mil neste ano em relação ao ano anterior, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A seca intensificada pelo El Niño aumenta o risco, e os pecuaristas estão se organizando para proteger suas fazendas. O pico de intensidade desse fenômeno pode durar até janeiro de 2024, o que pode contribuir para um cenário mais propício a incêndios, com temperaturas máximas chegando a atingir 45 °C em locais do Centro-Oeste e Sudeste do Brasil.
Inclusive, esse calor intenso nas principais regiões produtoras de café no Brasil levanta preocupações para a safra 2024/25, com alguns produtores prevendo uma colheita inferior (apesar da bienalidade positiva) devido à falta de uniformidade nos cafeeiros, causada por floradas precoces. No entanto, o Rabobank projeta um aumento de 15,4% na produção de café arábica (42,7 milhões de t) e de apenas 0,9% para o robusta (23,3 milhões de t). Projeções mais claras sobre os preços são esperadas a partir de janeiro de 2024, quando o mercado terá mais informações sobre as consequências das altas temperaturas.
A Agência Internacional de Energia (IEA) divulgou em seu último relatório que a América Latina e o Caribe, juntos, possuem 15% da capacidade global de hidrogênio planejada até 2030, o que representa uma produção que pode chegar a 6 milhões de t, com destaque para a rota que utiliza a eletrólise com renováveis. O Brasil é um dos países que vem estudando estratégias para o desenvolvimento desse tipo de energia.
Concluindo a nossa análise do agronegócio, apresentamos os principais preços dos produtos do setor na data de fechamento da nossa coluna. A soja, para entrega em cooperativa do estado de São Paulo (FOB) estava em R$ 130,00/sc (60k) para entrega em mar/24. No milho, o preço físico era de R$ 61,00/sc, enquanto o contrato de mar/24 (B3) girava em torno de R$ 72,13/sc. No algodão (Cepea/Esalq), a arroba estava cotada em R$ 127,54. Outros produtos do agro registravam os seguintes preços, com base no Cepea/Esalq: café arábica, R$ 890,91/sc (60kg); o trigo Paraná estava em R$ 1.331,72/t; a laranja para indústria (a prazo) em R$ 50,76/cx (40,8 kg); e o boi gordo fechou em R$ 235,65/@.
Os cinco fatos do agro para acompanhar em dezembro são:
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A situação do clima no Brasil e as diferentes realidades regionais. No Sul (destaque para RS) o alto volume de chuvas segue afetando as atividades. No Centro-Oeste, vemos a seca em algumas regiões e até queimadas e outras. O clima quente também tem afetado algumas lavouras no Sudeste, com destaque para a laranja e o café. Vamos observar estes abalos e as previsões futuras.
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O plantio (e replantio) da safra brasileira de grãos e o progresso das lavouras neste que é um dos meses mais importantes para o resultado dos cultivos. Em vista do item anterior, a questão climática, alguns campos seguem em condições abaixo da média e muitos produtores já tiveram que repetir o plantio, em alguns casos até mais do que uma vez. Tudo isso já tem impactado as decisões de plantio da safrinha, na questão da janela ideal, dos custos e considerando os preços aplicados pelo mercado.
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Válido dedicar um tópico a olhar as movimentações na Argentina com a eleição de Javier Milei na presidência. Ainda está incerta a questão de relações comerciais e permanência do país no Mercosul; há a tendência de redução nas “retenciones” para exportações; e ainda vale considerar as relações comerciais com o Brasil, especialmente no agro. Como grande player da agricultura, especialmente nos grãos, as decisões do novo governo podem impactar diretamente o mercado com a provável diminuição das “retenciones” (impostos de exportação).
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Cotação do dólar. Apesar do Boletim Focus estimar a moeda americana valendo R$ 5,00 ao final do ano, nos últimos dias, a valorização do real chamou atenção. Em 19 de novembro, foi a R$ 4,84. Aspecto decisivo na questão da comercialização da safra distribuída neste momento pelo país (venda), e também aos agricultores que ainda estão adquirindo insumos para a safrinha (compra).
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Por fim, vale acompanhar o desempenho exportador do agro brasileiro neste último mês do ano. Com as questões todas de logística, espera em portos e ainda feriados, a tendência é de dificuldades nas movimentações. Vale lembrar que as receitas de boa parte das categorias caíram em outubro.
Marcos Fava Neves é professor Titular (em tempo parcial) das Faculdades de Administração da USP (Ribeirão Preto - SP) da FGV (São Paulo – SP) e da Harven Agribusiness Scholl (Ribeirão Preto – SP). É especialista em Planejamento Estratégico do Agronegócio. Confira textos e outros materiais em DoutorAgro.com e veja os vídeos no Youtube (Marcos Fava Neves).
Vinícius Cambaúva é associado na Markestrat Group, mestrando em Administração pela FEA-RP/USP e Instrutor “In Company” na Harven Agribusiness School. É especialista em comunicação estratégica no agro.
Beatriz Papa Casagrande é consultora na Markestrat Group, aluna de mestrado em Administração de Organizações na FEA-RP/USP e especialista em inteligência de mercado para o agronegócio.