Diplomacia Verde ou imposição? Por Eric Dereudre, Vice-Presidente Internacional de Relações Externas da Corteva Agriscience

Publicado em 07/06/2023 18:43
Por Eric Dereudre, Vice-Presidente Internacional de Relações Externas da Corteva Agriscience

Há quatro anos, a Comissão Europeia surgiu com a ambição de criar um conjunto de 50 medidas destinadas a tornar a Europa o primeiro continente a ser neutro em gases de efeito estufa até 2050. Estas diretrizes fazem parte do Green Deal, ou Pacto Verde.

O Green Deal parte da premissa de que o aquecimento global e as mudanças climáticas são desafios mundiais e se apresenta como um plano para colocar a União Europeia na condução desta nova economia, que irá liderar a maneira pela qual enfrentamos esses desafios.

Um dos pilares mais importantes deste documento está relacionado à agricultura, que é descrita como “um sistema alimentar saudável para as pessoas e para o mundo” e inclui os seguintes objetivos: garantir a segurança alimentar face às alterações climáticas e à perda de biodiversidade; reduzir a pegada ambiental e climática do sistema alimentar da União Europeia, fortalecendo a sua resiliência; e liderar a transição global rumo à sustentabilidade competitiva do campo à mesa.

Segundo a Comissão Europeia, a estratégia “do campo à mesa” é o pilar central do Green Deal, que visa tornar o sistema alimentar justo, saudável e sustentavelmente amigável por meio de ações que incluem uma redução de 50% no uso de pesticidas e de 20% no de fertilizantes até 2030.

As mudanças propostas não são pequenas nem fáceis de implementar, pois implicam em transformações profundas. Embora a grande maioria dos europeus entenda que a sustentabilidade deve ser uma prioridade para o futuro, não há consenso sobre como essa questão será tratada e o que deve ser sacrificado para atingir esse objetivo.

Essas mudanças e restrições recaem sobre países de outros continentes, como o Brasil, que exporta bilhões de dólares em commodities para a Europa todos os anos. Neste ponto reside o grande dilema da regulamentação: ao contrário do planejado, a segurança alimentar pode ser fortemente impactada pelas imposições do Green Deal.

Com a Covid-19 e a Guerra na Ucrânia, nunca se falou tanto sobre a importância de os alimentos chegarem às pessoas em situação de vulnerabilidade social de forma rápida, segura, com qualidade e a custos acessíveis. A fiscalização, emissão de documentação e certificações que serão impostas aos países exportadores e, consequentemente, a toda a cadeia do agronegócio, podem implicar em alimentos mais caros, pois esse custo será repassado às gôndolas dos supermercados. Nenhuma sociedade, empresa ou país é contra soluções para reduzir a pegada global de carbono e combater o desmatamento. Estamos todos vivendo no mesmo planeta. No entanto, é preciso ter cautela para evitar que estas ações tenham o efeito contrário, principalmente em seu aspecto central – a promoção da segurança alimentar.

O Green Deal também não leva em consideração se os principais exportadores de alimentos aceitarão essas restrições. Esses países podem direcionar seus esforços para outros mercados, como China e Rússia. A questão agora é: os europeus serão capazes de plantar, colher e comercializar domesticamente todos os alimentos de que precisam? A resposta é óbvia: nenhum país sozinho pode produzir tudo o que necessita.

O livre comércio de alimentos é fundamental para a segurança alimentar. A Comissão Europeia pode impor seus padrões às importações, mas, por outro lado, isso levará a interrupções no comércio de commodities.

Outra discussão importante é sobre o limite máximo de resíduo (LMR) de agrotóxicos, padrão que todo país deve seguir para importar milho, soja, café etc. Ele é definido por estudos toxicológicos, para garantir que o alimento é seguro para consumo humano. Ou seja, já existe controle e regulamentação sobre o assunto. O Green Deal exige, no entanto, que esse limite seja drasticamente reduzido, resultando em impactos na produtividade e, ainda mais importante, na criação de novas barreiras comerciais e no aumento da complexidade da cadeia de suprimentos de alimentos.

A questão do desmatamento, outro alvo da agenda da Diplomacia Verde da União Europeia, é outro ponto de interrogação. Como isso pode ser rastreado? A UE pretende proibir a compra de produtos cultivados em áreas desmatadas, mas não considera políticas já adotadas em alguns países - como o Brasil. A Europa está buscando impor uma due diligence antes da importação, para provar que a aquisição de produtos de outros continentes não está associada ao desmatamento. Isso incluirá rastreabilidade e geolocalização de origem, dando mais um passo em direção à especialização do que tem sido por anos uma commodity agrícola acessível. Qual o impacto na cadeia global de abastecimento de alimentos, em particular para os países mais vulneráveis? Além disso, há países, como o Brasil, que seguem rígidas leis ambientais, como o Código Florestal Brasileiro, que diferencia o desmatamento legal do ilegal. Como isso será considerado sem violar os padrões comerciais globais?

O Green Deal pode se tornar uma barreira ao comércio mundial e uma questão política entre as nações. Não queremos ver a Europa apontando o dedo para os agricultores do Brasil ou dos Estados Unidos.

As orientações europeias terão um impacto maior nas pessoas fora da Europa do que dentro dela: agricultores, consumidores, países exportadores e populações que hoje precisam de acesso rápido a alimentos de alta qualidade podem sofrer as consequências dessas restrições. A segurança alimentar global, hoje, depende de um comércio aberto e equilibrado entre os países.

Novamente, não se trata de ser contra o princípio do Green Deal. Somos cautelosos apenas em relação à não avaliação dos riscos destas medidas e precisamos saber como essas diretrizes serão implementadas. Qualquer política importante deve sempre ser precedida por uma avaliação de impacto.

Fonte: Corteva Agriscience

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