O gigante que ninguém vê, por Rafael Codonho e Soraia Hanna
Você já se perguntou o que seria da economia nacional sem o agronegócio? Num país com tantas distorções, está aí o tal do “Brasil que dá certo”, recorrendo ao velho clichê. Nos anos 70, o economista Edmar Bacha escreveu a fábula “O Rei da Belíndia”. No texto, ele sustentava que o país era dividido em dois padrões: Bélgica e Índia. Partindo dessa leitura, não resta dúvida de que o agro responde pela parte europeia. E, em alguns casos, nossos índices chegam a superar as nações daquele continente em produtividade e desenvolvimento.
Na questão social e demográfica, há uma clara transformação em curso. Boa parte dos jovens — que antes protagonizavam o êxodo rural — hoje estão optando por permanecer no campo. Isso porque passaram a enxergar ali o que antes não conseguiam ver: oportunidades suficientes para ficar. Introduzem novas técnicas, geram empregos e estimulam um círculo virtuoso de prosperidade e multiplicação de riqueza.
Só que, além de fazer história, é preciso saber contá-la. E aí temos um sério problema de percepção. Enquanto se supera a cada ano em resultado, o agro não vem obtendo o mesmo resultado na batalha diante da opinião pública. Existe um fosso entre a população rural e a urbana — que é inundada pela desinformação bem contada. Segundo essa narrativa, assimilada por muitos como verdade incontestável, a agricultura seria a grande causadora dos efeitos climáticos. Somam-se a isso as mais conspiratórias teorias, sempre unidas pela atribuição da culpa a quem produz.
Um cosmopolita morador de capital não faz ideia do que se passa em uma Agrishow ou em uma Expodireto. Da transformação digital que está sendo incorporada às colheitas. Da inovação que é colocada na prática. Do zelo com os animais — pois, se não fosse assim, o próprio ciclo correria risco de continuidade. É um Brasil invisível para quase todos. São empreendedores e trabalhadores muitas vezes malvistos e negligenciados.
O homem da cidade não tem a verdadeira consciência da importância e da dimensão do agro em sua própria vida, seja na alimentação, seja na sustentabilidade socioeconômica do país. De algum modo, a caricatura de que “o leite vem da caixinha” parece resistir.
Essa desconexão abre espaço para uma série de preconceitos e até campanhas difamatórias bancadas por atores diversos e, muitas vezes, com interesses ocultos. Dessa forma, percepções são constituídas não a partir do acesso à realidade, mas pelo tweet repleto de críticas de uma celebridade hollywoodiana. Sem o mínimo conhecimento, mas cheia de soluções para salvaguardar o planeta. Ideologias, dogmas, preceitos simplistas e mentiras: tudo se une nessa hora.
Como ensina o ditado: quem cala, consente. Não existe vácuo no processo de formação de opinião. Uma narrativa sempre acaba se impondo, e ainda mais quando o outro lado permanece em silêncio. Assim, erros de alguns são interpretados como práticas comuns, em uma generalização que nivela todo um segmento por baixo. O resultado disso também é perceptível na arena global: o Brasil é uma das nações que mais preserva o meio ambiente e será, em breve, a maior fonte de alimentos do mundo; mas, lá fora, nossa imagem é vendida como de vilões.
E o que explica esse paradoxo? Há um déficit gigantesco de comunicação por parte dos vários protagonistas do agronegócio brasileiro. De governos a empresas, passando pelos líderes e instituições representativas. Como não poderia deixar de ser, essa omissão — o “deixa pra lá!” — gerou um enfraquecimento de sua reputação. Iniciativas esparsas ajudaram, nos últimos anos, a atenuar esse cenário. Mas ainda é pouco. Quase insignificante.
Não basta ser bem-sucedido nos negócios. Não basta ter poder econômico. Não basta trabalhar no dia a dia. Para seguir avançando, o universo rural precisa furar sua bolha e se conectar às massas urbanas. E isso envolve participar — de forma ativa e construtiva — dos grandes debates da humanidade. Sem ficar acuado e tendo como base sua essência. Falta unificar e reforçar o discurso, com estratégia e ação permanente na arena pública, porque reputação é acúmulo que se constrói dia a dia. Para além de fazer, chegou a hora de o agro se fazer perceber. A compreensão da verdade fará o resto.