O duplo desafio do Banco Central, por Roberto Padovani
A decisão do Banco Central (BC) na próxima semana será complexa. Ao mesmo tempo em que é preciso dar um sinal forte de continuidade de correção de juros, é necessário cuidado para não piorar as condições financeiras e impactar excessivamente o crescimento do próximo ano.
Não há dúvida da necessidade de uma política monetária restritiva. Depois de uma sequência de choques inflacionários 1, parte deles importados, a inflação se tornou um problema doméstico e disseminado. A reabertura da economia vem sendo acompanhada pela esperada aceleração da inflação de serviços e pela inesperada continuidade de alta dos preços de bens industriais.
Como resultado, o IPCA se aproxima do incrível patamar anual de 10% e vem sendo seguida por um aumento expressivo nos núcleos, alimentando a inércia inflacionária e dificultando a ancoragem das expectativas. A média das expectativas de inflação já alcançou 4,0% para 2022 e 3,4% para 2023, valores significativamente acima das respectivas metas de 3,5% e 3,25%. Para piorar, ainda que os preços de matérias primas já mostrem acomodação nos últimos três meses, as dinâmicas de câmbio, crise hídrica e preços industriais devem dificultar a convergência da inflação.
Com as expectativas acima da meta para o horizonte relevante de política e com a volta gradual da economia para seu nível potencial, faz sentido que os juros devam estar acima de seu patamar neutro. Usando como base as reações históricas do banco central brasileiro aos dados de inflação e crescimento, o patamar de 9,0% de taxa básica de juros pode ser uma boa estimativa para a intensidade necessária de aperto monetário.
Este cálculo mostra um espaço de 375 pontos base para alta de juros ao longo dos próximos meses, o que faz com que haja poucos riscos em acelerar o ritmo de altas neste momento. Quanto mais rápida for a correção, mais cedo as expectativas convergem para a meta.
Por outro lado, a autoridade monetária tem se mostrado bastante sensível às condições de atividade econômica, sugerindo uma mudança na forma de reação aos cenários. O BC tomou riscos importantes no passado recente para estimular a retomada. Colocou os juros em seu menor patamar histórico e comprometeu-se em manter os estímulos por bastante tempo. Mais tarde, sinalizou um processo de normalização gradual de política e passou a considerar um horizonte mais amplo na definição de suas estratégias monetárias.
Esta postura é compatível com o duplo mandato definido no projeto de autonomia do BC, colocando como objetivos secundários da autoridade monetária a necessidade de fomentar o emprego e suavizar as oscilações na atividade econômica.
Neste momento, há uma desaceleração econômica já contratada, reforçando o início de um processo desinflacionário. Como a retomada econômica tem sido explicada basicamente pelo impulso externo e pelos estímulos monetários, uma provável acomodação no crescimento global em um ambiente marcado pelo aumento das incertezas locais e globais implicará piora na percepção de risco e, com isso, aperto das condições financeiras.
Além disso, é natural que quanto mais o BC avance na normalização de política, maiores os riscos associados à intensidade do aperto monetário. Uma postura mais cautelosa poderia ser viabilizada pelo uso da banda de tolerância da inflação para o próximo ano, dado o choque atípico observado em 2021 e pelo fato de o horizonte de política mostrar importância crescente de 2023.
Isso significa que a estratégia de política deverá ser influenciada tanto pela necessidade de reancoragem das expectativas quanto pelo risco de se promover uma desaceleração excessiva da atividade.
Embora o perfil da atual diretoria e a autonomia formal recentemente conquistada não deixem dúvidas quanto ao compromisso da autoridade monetária com as metas de inflação, o BC terá um duplo desafio. Será preciso desenhar uma estratégia que equilibre controle inflacionário com crescimento e, ao mesmo tempo, cuidar para que a comunicação não mostre um BC muito agressivo ou muito leniente, evitando ruídos desnecessários.
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1 Parte expressiva da inflação se deve aos choques gerados pelo câmbio, preços de commodities e
problemas climáticos.