Potência do Agro Brasileiro dispensa ufanismo e exageros, por Xico Graziano
O Brasil ocupa o 3º lugar entre os exportadores agrícolas mundiais. E sua posição de player global no mercado de alimentos cresce fortemente. Sem medo da pandemia.
Alvissareira, tal situação tem provocado uma série de especulações sobre a importância da contribuição brasileira na alimentação mundial. Dados exagerados criaram uma espécie de ufanismo rural, como se o mundo dependesse do Brasil para comer.
Vamos aos números.
Conforme dados oficiais, a produção total de alimentos do Brasil alcançou 408 milhões de toneladas em 2020, somando-se todos os tipos de gêneros alimentícios. Desse volume total, o país exporta cerca de 152 milhões de toneladas. Em decorrência, pode-se estimar, por subtração, que permanecem no país, para abastecer a população, 256 milhões de toneladas de alimentos brutos –esses dados foram obtidos por estimativas e cálculos mostrados no meu livro “Agricultura, fatos e mitos”, páginas 283-4, 2ª edição, 2021.
Dividindo-se essa quantidade, destinada ao mercado interno, pela população brasileira, chega-se ao valor aproximado de 1.220 quilos/habitante/ano. Ou seja, repetindo, os 210 milhões de brasileiros consomem 256 milhões de toneladas brutas de alimentos.
Supondo-se esse mesmo padrão alimentar, o volume das exportações nacionais daria para alimentar, de forma integral, outros 125 milhões de pessoas pelo mundo afora.
Resultado: mantendo-se o mesmo patamar da alimentação nacional, o agro brasileiro seria capaz de alimentar, plenamente, 335 milhões de pessoas, sendo 210 milhões em seu mercado interno.
Por que, então, se fala que o Brasil alimenta até ¼ do mundo?
Uma das razões da confusão, e do exagero, existente nesta matéria advém da informação, atribuída à FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), de que a “segurança alimentar” de um povo se obtém com a oferta de 250 kg/hab/ano. Esse valor nutricional não reflete, nem de longe, a realidade do Brasil.
Confesso que jamais encontrei tal referência oficial do órgão de agricultura e alimentação da ONU. Cotejando com o padrão de consumo brasileiro (1.220 kg/hab/ano), que certamente não é dos maiores do mundo, fica evidente que a base de comparação contém algum equívoco. E leva a erros de raciocínio.
Talvez tenha sido por essa razão que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, cautelosamente, afirme em suas declarações públicas que o Brasil oferece “algum tipo de alimento” para cerca de 1,5 bilhão de pessoas ao redor do mundo. Aí, sim.
De fato, cerca de 160 países compram alimentos brasileiros, incluindo carnes, café, açúcar, frutas e tantas outras delícias oriundas da terra tupiniquim. Suas populações encontram variados gêneros agrícolas verde-amarelos nas gôndolas de seus países. Mas obviamente não se alimentam, exclusivamente, deles.
Há um detalhe importante nessa contabilidade alimentar. Dos 250 milhões de toneladas, apenas de grãos e cereais, produzidos no Brasil, a soja e o milho representam 89,6% do total. E o maior destino de ambos, cerca de 80% do volume, segue na fabricação de ração animal.
Por isso, cuidado: não se pode contabilizar internamente 2 vezes a produção, de tantas toneladas de grãos e, depois, de carnes, ou leite e ovos. Pois uma se transforma na outra.
Na exportação, a China, por exemplo, compra milhões de toneladas de soja do Brasil. Mas o chinês não ingere nossa oleaginosa em grão, pois essa vira, ao lado de outros, componente da ração animal, fornecida aos suínos, frangos e peixes produzidos na China.
Que ninguém duvide: o Brasil caminha para se tornar, dentro de talvez uma década, o maior fornecedor mundial de alimentos e demais produtos do agro, como celulose e algodão. Trata-se de um feito extraordinário para um passado latifundiário, que sempre dependeu da importação de comida para abastecer sua população.
Enaltecer essa incrível modernização produtiva no agro nacional, trazida pela revolução tecnológica-tropical, dispensa, por si só, exageros de retórica.
Podemos nos ater aos fatos.