Oportunidade para se ajustar, por Roberto Padovani

Publicado em 04/02/2021 10:30
Cenário global favorece a retomada econômica e o ajuste nas contas públicas, principal fragilidade de curto prazo do Brasil. Roberto Padovani é economista-chefe do Banco BV

O ano começou com ruídos elevados no Brasil e no mundo. Tensões políticas, atrasos na vacinação, mutações do vírus e novos confinamentos foram destaque. Apesar disso, o sentimento em relação a um ciclo global favorável em 2021 não mudou, o que permite a volta dos fluxos de capitais para os mercados emergentes. Este cenário dá ao Brasil algum tempo para avançar na agenda fiscal, sua principal fragilidade de curto prazo.

O cenário internacional é melhor que o observado nos últimos três anos, quando havia uma leitura de fim de ciclo e muitas incertezas na América Latina 1. Após dez anos de recuperação após a crise financeira de 2008 e um crescimento mundial sincronizado em 2017, a ideia disseminada de superação da crise fez com que os juros de longo prazo nos Estados Unidos começassem a subir em 2018, mudando a inclinação da curva e sinalizando o risco de uma recessão.

Este sentimento foi reforçado pelo aumento das tensões geopolíticas e pela desaceleração de curto prazo em Estados Unidos, Europa e China. Não por outro motivo, os preços de commodities voltaram a cair em termos reais, aumentando as incertezas políticas e econômicas em vários mercados emergentes, como foi o caso da Turquia em 2018 e da América Latina em 2019 2.

Neste momento, as condições de liquidez são inéditas depois de estímulos fiscais e monetários intensos e sincronizados 3. Da mesma forma, as eleições nos Estados Unidos indicam um menor risco global, favorecendo a volta dos capitais para os mercados considerados mais arriscados.

O resultado é um crescimento robusto na China, mesmo considerando o início da retirada de estímulos. No caso dos Estados Unidos, menores custos de produção e os incentivos de política fortalecem a retomada em uma economia considerada referência em termos de flexibilidade e eficiência. Com China e Estados Unidos avançando, a Europa deverá ser positivamente impactada, reforçando um ciclo sincronizado.

Neste contexto de liquidez e crescimento, o risco global se reduz e os preços de commodities, em seus níveis baixos em termos reais em quarenta anos, devem continuar em alta, beneficiando os emergentes mesmo que de forma não homogênea e marcados por ritmos diferentes de vacinação.

Os países asiáticos se destacam por apresentarem maior crescimento, inflação mais baixa e uma melhor situação em contas externas. No outro extremo, Europa Oriental, Oriente Médio e África concentram os piores casos, com instabilidade econômica e política. O desafio fiscal continua presente na África do Sul e, na Turquia, inflação e contas externas ainda preocupam.

A América Latina está em uma situação intermediária. Seguem no radar o risco de populismo no México e, na Argentina, as dúvidas fiscais e a falta de um regime de política econômica que ancore câmbio, inflação e juros. Equador, Peru e Chile devem ter um ano marcado por maiores incertezas políticas.

Em termos relativos o Brasil não está mal. Embora o País faça parte do grupo com piores indicadores de dívida, há avanços em reformas e o regime econômico é bem definido. O filme parece melhor que a fotografia e o problema na dívida não deve impedir que o País se beneficie do quadro externo. Até porque, historicamente, os termos de troca favorecem o crescimento e os ingressos de capitais são influenciados mais por fatores globais que domésticos.

Neste contexto, o principal gatilho para uma piora do cenário doméstico é externo, com a volta da inflação 4 no mundo e seus eventuais impactos sobre a normalização dos juros e redução da liquidez internacional. Algo parecido com o observado em 2013. Este quadro pode afetar de modo relevante a economia brasileira, mais vulnerável a choques em função da trajetória de alta da dívida pública.

O risco global, no entanto, parece controlado e não indica uma mudança brusca de cenários nos próximos dois anos. A volta da inflação sugere mais uma normalização de preços, reforçada no curto prazo por desequilíbrios dados por restrições de oferta associados a estímulos de demanda. A médio prazo, a elevada ociosidade das economias deve impedir uma nova dinâmica inflacionária, como indicam a estabilidade em termos reais do ouro e dos juros de longo prazo nos Estados Unidos, termômetros tradicionais de medo de inflação 5.

Mais importante, o quadro externo favorável permite ao Brasil algum tempo para corrigir as contas públicas e reconquistar a confiança na capacidade de se controlar a dívida. É uma boa janela para se ajustar.

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1 O ano de 2019 foi particularmente difícil na América do Sul. Houve tensões políticas agudas na Venezuela em maio e, em outubro, mudanças eleitorais na Argentina, crise política no Peru e protestos de rua no Chile e Equador. O ano se encerrou com a renúncia do presidente da Bolívia em novembro.

2 O preço do cobre, termômetro de crescimento global, mostrou queda em 2018 e 2019 e só voltou a se recuperar a partir de maio de 2020.

3 Em apenas um ano, os bancos centrais do Japão e, principalmente de Estados Unidos e Europa, aumentaram de modo significativo e simultâneo seus balanços, injetando uma liquidez superior a US$ 7 trilhões.

4 A preocupação não é dada apenas pela alta de preços de commodities e seus impactos sobre a inflação de bens. O debate sobre a existência ou não de bolhas nos principais mercados mostra a cautela com uma inflação de ativos. Ver Volpon, Tony, “Quem tem medo da boa bolha global?”, Agência Estado, 27/01/2021.

5 A leitura corrente é que a inflação é um fenômeno temporário e não muda a tendência de queda de longo prazo. A moderna teoria monetária parece valer nos países desenvolvidos. Além disso, os bancos centrais devem mostrar maior tolerância com a inflação, retardando o processo de alta de taxa de juros.

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Por: Roberto Padovani

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