Artigo: Higienização de pulverizadores - luxo ou necessidade?
Walter Boller[1] e Mauro Antonio Rizzardi[2]
A produção de alimentos em grande escala, como é praticada no Brasil, enfrenta riscos de ordem climática, limitações relacionadas com os solos e a nutrição das plantas, assim como sofre danos dos chamados fatores bióticos (plantas daninhas, pragas e doenças), que limitam a capacidade produtiva das plantas cultivadas. As práticas de manejo adotadas para cada cultura, incluindo a proteção fitossanitária, buscam proporcionar condições para que as plantas cultivadas expressem o seu potencial produtivo, dentro de uma perspectiva de máximo retorno econômico.
Ao longo dos anos observou-se uma evolução dos sistemas produtivos agrícolas, buscando obter uma sustentabilidade tanto econômica quanto ambiental e social, que pode ser traduzida em três palavras: sistema plantio direto. Este sistema de manejo do solo e das culturas preconiza manter a superfície cultivada sempre coberta com plantas verdes e/ou com resíduos vegetais, de modo a proteger o solo e a promover maior ciclagem de nutrientes, o que gera importantes ganhos do ponto de vista da fertilidade do solo.
Por outro lado, no sistema plantio direto, ao não haver um revolvimento significativo de solo, ocorre uma mudança de ambiente que favorece o desenvolvimento de determinadas espécies de plantas daninhas, cujo controle passa a depender mais de herbicidas do que no passado. Essa maior dependência do controle químico aliada à não observância de critérios técnicos no uso de herbicidas ocasionou a seleção de resistência de plantas daninhas para alguns herbicidas.
Diante da escassez de novos mecanismos de ação de herbicidas para enfrentar a resistência de plantas daninhas, um dos avanços tecnológicos mais recentes na agricultura vem sendo o desenvolvimento de plantas cultivadas tolerantes a determinados herbicidas. Cultivares de soja convencionais (não tolerantes ao dicamba, por exemplo) apresentam elevada sensibilidade ao mesmo, até em subdoses abaixo de 5% da dose de bula.
Essas constatações já realizadas por vários autores em diversos países do mundo, indicam a necessidade da criteriosa higienização dos pulverizadores quando utilizado o herbicida dicamba. Essa conduta não deveria ser novidade, uma vez que muitos resíduos de produtos fitossanitários mantidos no interior de componentes dos pulverizadores, como tanque, filtros, bomba, comandos, válvulas e tubulações podem afetar negativamente culturas, não tolerantes ao dicamba, que venham a ser pulverizadas em momentos posteriores.
Ainda, a falta de higienização dos pulverizadores após aplicar misturas de produtos em tanque, pode ocasionar a formação de depósitos (verdadeiras crostas) junto aos componentes ativos dos pulverizadores, que podem até mesmo inviabilizar o seu uso futuro sem uma rigorosa “faxina”.
A ação recomendada é que ao final da última pulverização de uma jornada de trabalho com qualquer produto, seja feito o processo de tríplice lavagem do equipamento.
Abastecer o tanque ao menos até a metade com água para tanques de plásticos e inox e 100% da capacidade para tanques de fibra de vidro, ligar a bomba e promover a circulação do líquido. Em um local adequado (de preferência na lavoura onde estava operando), abrir as válvulas que conduzem o líquido até as barras do pulverizador e com isso reduzir drasticamente a concentração de produtos ativos nos resíduos que permanecerão no interior das tubulações e demais componentes dos pulverizadores.
Para a segunda lavagem, remova todos os filtros (sucção e barra), bicos, finais de secção (se presentes) e pontas de pulverização, que devem ser limpos separadamente, também utilizando o mesmo produto anterior. Pode ser utilizado produtos especialmente desenvolvidos para limpeza de pulverizadores (existem diversos produtos comerciais) junto à água de limpeza. Novamente se recomenda ligar o sistema de pulverização, promovendo a circulação do líquido, durante 20 a 30 minutos, movimentando a máquina em “zigue-zague”. Se possível, manter esse líquido (água + produto para limpeza de pulverizador) no interior do tanque durante uma noite e no dia seguinte ligar a máquina e abrir as saídas para as barras e no final drenar os compartimentos como tanque e filtros. Caso não seja possível deixar o tanque com a solução de um dia para o outro, seguir para o passo seguinte após os 20 - 30 minutos de agitação. Esgotar a calda pelas barras e posteriormente recolocar os componentes (Filtros, bicos e final de secção)
Para finalizar a tríplice lavagem, encher o tanque com água limpa, promover a circulação do líquido de enxágue por 20 a 30 minutos movimentando a máquina em “zigue-zague” e após isso abrir as saídas para as barras.
A tríplice lavagem do pulverizador deve ser complementada por uma lavagem externa, de modo especial do tanque, das barras, rodados e outros componentes que possam ter sido contaminados com o herbicida durante o uso da máquina. Adicionalmente, manter todo o circuito hidráulico e 50% da capacidade nominal do tanque com água limpa entre as jornadas de aplicação como uma medida de preservação do equipamento.
Novas alternativas vêm sendo estudadas visando simplificar esse procedimento de lavagem, como por exemplo os são sistemas de desativação de resíduos baseados em uma reação química conhecida como reação de Fenton. Nesse caso, na primeira água de lavagem do pulverizador é adicionado um dos componentes do processo de Fenton e liga-se a circulação da calda. Após 5 minutos de agitação, adiciona-se o segundo componente dessa reação e mantem-se a circulação ativa por mais 20 minutos.
Passados esses 20 minutos, abrem-se as saídas de calda para as barras, em um local apropriado, durante um tempo mínimo de dez minutos e aí drena-se o tanque e os filtros. A próxima seria a terceira lavagem, como descrito nos parágrafos anteriores. Um cuidado importante com esse processo de Fenton é que todas as superfícies contaminadas com resíduos de herbicidas necessitam entrar em contato com a calda “gerada” na primeira lavagem e também com a água de enxágue.
Para auxiliar no processo de limpeza de tanques de pulverizadores, podem ser utilizados alguns dispositivos que podem ser instalados no interior desses tanques. Um exemplo disso é um bico especial, na forma de um globo perfurado, conhecido como “Bico Spray Ball”, que ao ser acionado gera o efeito de um chuveiro invertido (de baixo para cima, para frente, para trás e para os lados) e, com isso, facilita o contato da água de lavagem com toda a superfície interna do tanque do pulverizador.
Assim, pode-se considerar que as práticas aqui descritas já deveriam estar incorporadas à cultura dos agricultores, independentemente do tipo de produto que está sendo pulverizado. Guardar uma máquina aplicadora livre de resíduos, sempre vai contribuir de uma forma ou de outra para uma maior vida útil dessa máquina, reduzir perdas de tempo no momento em que se iniciam novas aplicações de defensivos, além de minimizar possíveis problemas de injúrias às plantas cultivadas.
[1] Eng.-Agr. Dr., Prof. aposentado do Curso de Agronomia e do Programa de pós Graduação em Agronomia da Universidade de Passo Fundo (PPGAgro/UPF), Passo Fundo – RS. e-mail: boller@upf.br
[2] Eng.-Agr. Dr., Prof. Titular do Curso de Agronomia e do Programa de pós Graduação em Agronomia da Universidade de Passo Fundo (PPGAgro/UPF), Passo Fundo – RS. e-mail: rizzardi@upf.br