Lanznaster, um líder para a História, por José Zeferino Pedroso
Com mais de 50 anos de atuação no associativismo de Santa Catarina, ora dedicado ao cooperativismo, ora dedicado ao sindicalismo, tive o privilégio de conviver com grandes lideranças. Uma foi o pioneiro Aury Luiz Bodanese que nos deixou há quase 20 anos; outra foi Mário Lanznaster que, no último domingo, partiu desse mundo para habitar outra dimensão.
Foram dois gigantes do cooperativismo brasileiro. Ambos tiveram a arrojada visão de, no início da segunda metade do século passado, fortalecer de forma empresarial o setor primário da economia do grande oeste catarinense. A agricultura sofria forte estímulo e começava a incorporar as tecnologias geradas pela crescente cadeia de suprimentos do agronegócio, pelas indústrias de insumos, pela Embrapa e pelas universidades.
Constataram que as famílias de produtores rurais não podiam permanecer apenas como simples fornecedores de matérias-primas – milho, soja, feijão, trigo, leite, suínos, aves etc. – para as indústrias mercantis de processamento. Fazia-se imperiosa a construção de um parque agroindustrial das próprias cooperativas para receber, processar e, assim, disputar o mercado com produtos processados. Agregou-se valor ao produto agrícola e elevou-se o status do produtor para um verdadeiro empresário.
O caminho para esse objetivo coube a uma cooperativa central (a Aurora Alimentos), mas tornou-se necessário vencer a desconfiança dos Bancos e buscar o apoio de organismos nacionais para obtenção dos financiamentos necessários. Foi uma tarefa hercúlea.
No comando da Aurora, Bodanese foi gigante nessa luta pela industrialização própria, período no qual atuei como vice-presidente por 21 anos, ao tempo em que também presidia a Coperio de Joaçaba. Assumi a presidência da Aurora em 2003 com o falecimento dele. Tive a felicidade de ter, como meu vice-presidente Mário Lanznaster, cumprindo um exitoso período de quatro anos, findo os quais passei a ele o comando da Cooperativa Central.
Lanznaster vinha da Alfa, uma das maiores cooperativas agropecuárias do País, onde já havia convivido com Bodanese e o sucedido na presidência. Catapultado ao comando da Aurora Alimentos, ali permaneceu por 13 anos até que desígnios superiores o retiraram de nosso convívio. Nesse último e profícuo período, executou um avançado plano de expansão da base produtiva no campo e de construção e ampliação das plantas industriais nas cidades, além de dar capilaridade às estruturas comerciais e de aperfeiçoar toda a operação logística.
Simples e direto nas relações interpessoais, era dono de uma franqueza chocante. Detestava procrastinar decisões ou deixar situações indefinidas. Mário era obcecado pelo estudo e pelo trabalho. Confiava nas pessoas, valorizava o trabalho em equipe, estimulava a inovação e priorizava a formação, a qualificação e a requalificação dos recursos humanos. Sempre lembrava que o verdadeiro dono da cooperativa estava no campo: era o produtor rural. Por isso, desenvolveu intensos programas de treinamento para as famílias em programas inovadores com Senar, Sescoop, Sebrae e outros parceiros.
Engenheiro agrônomo de formação, fazia questão de dizer que era um criador de suínos. Visitou dezenas de países para conhecer os sistemas de produção. Tinha a preciosa e rara condição de conhecer profundamente a atividade agrícola e pecuária, o processamento industrial e o comportamento do mercado – o que fazia dele um dos maiores experts do complexo e multifacetado universo da agroindústria da proteína animal. Tinha preocupação com a formação de novas lideranças e, por isso, abriu espaços em todos os níveis para jovens rurais.
Muito irá se escrever sobre a trajetória desse cooperativista. Ele integrou uma geração de líderes de um tempo em que – em face da ausência de recursos e métricas econômicas – a capacidade de comandar, a visão de futuro, o tirocínio comercial e a interpretação de tendências eram, inicialmente, frutos de habilidades e talentos inatos. Só posteriormente incorporaram todo o arsenal da moderna administração estratégica. Lanznaster transitou entre essas duas gerações.
Ele tinha fé nos postulados do cooperativismo e, com ela, viabilizou grandes empreendimentos. Mário Lanznaster não será esquecido porque sua trajetória representa um capítulo extraordinário do cooperativismo universal.