Os bons sinais do emprego, por Roberto Padovani
Uma das preocupações em relação à retomada da economia brasileira tem sido o comportamento da renda. Ainda que a inflação esteja controlada, o aumento do desemprego e o fim do programa de auxílio emergencial poderiam, em tese, prejudicar o crescimento.
Alguns fatores, no entanto, podem ajudar a controlar o risco da renda. O primeiro é que o impulso externo e os juros reais são dois motores que fortalecem a recuperação cíclica da economia e, com isso, a normalização do mercado de trabalho. O crescimento mundial esperado para o próximo ano, a desvalorização real do câmbio e o fato de o Brasil, pela primeira vez, ter um cenário de juros reais negativos em um ambiente de estabilidade econômica e política ajudam o crescimento.
Com mais crescimento, a ociosidade nos mercados de bens e de trabalho se reduz 1. No caso brasileiro, as séries trimestrais a partir de 2009 mostram que o emprego acompanha defasadamente o comportamento do ciclo econômico. Há uma correlação negativa elevada e uma causalidade entre o nível de utilização da capacidade instalada da indústria (NUCI) e a taxa de desemprego do IBGE (PNAD), com o mercado de bens antecipando o comportamento do emprego.
Os dados mostram que a rápida recuperação do NUCI neste momento tem feito com que o emprego com carteira assinada (CAGED) tenha uma crise menos intensa e mais rápida que observada na última recessão 2. Enquanto em 2015 e 2016 foram fechados cerca de 3 milhões de vagas, a crise atual registrou um saldo líquido negativo entre admissões e desligamentos de 1,4 milhão e já indica reversão. Na mesma linha, os indicadores antecedentes de emprego da FGV mostram uma recuperação rápida e sugerem um melhor desempenho do mercado de trabalho a partir de agora.
Além disso, as admissões feitas no mercado formal historicamente antecipam as variações na população ocupada. Com efeito, o aumento das admissões em maio e junho do CAGED foram acompanhadas por avanços na pesquisa do IBGE, como a suavização na piora na ocupação e uma melhora no emprego informal e na subocupação.
Por último, as características do choque atual fazem com que o aumento da taxa de desemprego do IBGE não seja um bom termômetro das condições de renda. É curioso que a desocupação tenha sofrido um impacto tão moderado quando considerado o tamanho do choque.
Enquanto as projeções médias dos economistas coletadas pelo Banco Central indicam uma contração do PIB próxima a 11,5% no segundo trimestre deste ano, a taxa de desemprego em junho mostrava uma alta de apenas 1,5 ponto percentual em relação a março. Na recessão de 2015/16, a queda acumulada de quase 8% no PIB implicou uma alta próxima a 6,5 pontos percentuais na desocupação.
Este comportamento pode ser explicado pela forma como o indicador é construído e pela natureza do choque atual. Dada a rara experiência de confinamento gerado pela pandemia, a procura por emprego medida pela população economicamente ativa (PEA) mostrou uma queda atipicamente rápida e intensa, afetando o cálculo da taxa. O movimento não se compara, por exemplo, com a contração na oferta de mão de obra observada na última recessão. Fatores adicionais, como o desalento 3 e os programas sociais podem também ter contribuído para uma menor busca por emprego neste momento 4.
Considerando-se a PEA de fevereiro de 2020, que é muito próxima à média observada em 2019, a taxa de desemprego corrigida dos fatores sazonais poderia estar mais próxima a 21% do que dos atuais 13%. Neste caso, o avanço esperado da economia deveria reduzir a desocupação, em linha com os números do CAGED e dos indicadores antecedentes.
Opostamente, no entanto, o dado do IBGE deverá subir. Com a flexibilização gradual do confinamento, a PEA voltará a crescer e, com isso, elevar a taxa de desemprego. A força de trabalho já trouxe os primeiros sinais de inflexão 5 e, dependendo da trajetória desenhada, é possível que o desemprego alcance um pico de 16% apenas no primeiro trimestre do próximo ano, fazendo com que a média de 2021 seja maior que a deste ano. Este comportamento, porém, não poderá ser lido como uma piora do mercado de trabalho, mas apenas como uma normalização das condições de procura por emprego.
Se estes argumentos estiverem corretos, então a taxa de desemprego do IBGE pode subestimar a recuperação da massa real. Por este aspecto, a evolução da população ocupada parece, neste momento, um melhor instrumento para avaliar o ambiente econômico. Em particular, a experiência de retomada de 2017 sugere que o emprego informal possa ser um indicador mais ágil de recuperação do mercado de trabalho.
Mais importante, a recuperação da economia e seus reflexos positivos sobre o emprego podem atenuar os impactos negativos sobre a renda gerados pelo fim do programa de auxílio emergencial, ainda mais em um cenário de saída mais gradual da ajuda do governo.
Portanto, as características especiais desta crise sugerem que o pior momento do mercado de trabalho já pode ter sido superado, não sendo um entrave para a saída da recessão.
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1 A chamada Lei de Okun mostra a relação estatística entre as ociosidades nos mercados de bens e de trabalho.
2 Os dados do IBGE mostram que cerca de metade da população ocupada é composta por empregados com carteira profissional, o chamado emprego formal.
3 A pesquisa do IBGE PNAD-Covid-19 feita nos meses de maio, junho e julho mostra que as pessoas não ocupadas que não procuraram trabalho por conta da pandemia ou por falta de trabalho na localidade respondem por cerca de 70% do total de pessoas não ocupadas que não procuraram trabalho, mas que gostariam de trabalhar.
4 As pesquisas do IBGE PNAD contínua e PNAD Covid-19 são metodologicamente diferentes e trazem estimativas diferentes para a PEA. O levantamento feito durante a pandemia traz valores mais baixos para a força de trabalho e, com isso, suaviza ainda mais o impacto sobre a taxa de desemprego.
5 A pesquisa PNAD contínua mostrou uma queda menor da PEA no dado de junho, com a PNAD Covid-19 confirmando a inflexão nos dados semanais de julho.