O custo dos ruídos políticos, por Roberto Padovani
A despeito de um ambiente global mais favorável, há muito pessimismo com o Brasil. Uma explicação possível para este sentimento é o aumento das incertezas políticas locais, que pode ter como preço uma recessão mais profunda que o necessário.
Faz sentido supor que a piora na percepção de risco está associada ao quadro doméstico. Externamente, a confiança vem aumentando. O mercado financeiro internacional mostra maior estabilidade à medida que a pandemia é superada e os expressivos estímulos fiscais e monetários ajudam a manter confiança em uma retomada em 2021.
As projeções do FMI, por exemplo, sugerem que o mundo vive um choque temporário. Segundo a instituição, depois de um tombo de 3,0% neste ano, haveria espaço para um crescimento próximo a 6,0% em 2021. A economia norte-americana contribui para este cenário com o início de um novo ciclo de expansão em função de menores custos de produção, elevada flexibilidade e fortes estímulos de política. Da mesma forma, os preços de petróleo interromperam a trajetória de queda observada desde o início do ano e ensaiam alguma recuperação.
Com liquidez elevada e aversão a risco em queda, as condições financeiras podem melhorar e favorecer a busca por risco e os fluxos de capitais para os mercados emergentes. Em tese, o Brasil estaria bem posicionado para receber estes recursos.
O País foi um dos poucos casos de avanços institucionais relevantes nos últimos anos, elevando sua capacidade de resistir a choques. A inflação está controlada, o teto de gastos e a reforma da previdência são uma âncora fiscal importante, a reforma trabalhista trouxe maior flexibilidade, fundamental na crise atual, e os juros são baixos, reduzindo o custo de endividamento público e privado. Diferentemente de 2014, não há escândalos que paralisem setores importantes e impactem as condições de crédito.
A economia brasileira, no entanto, tem tido dificuldades em atrair capitais. A saída líquida de recursos observada ao longo de 2019 ganhou fôlego e alcançou o patamar de US$ 60 bilhões nos doze meses encerrados em abril. Este desempenho é compatível com a piora mais rápida do prêmio de risco do País em relação a outros emergentes e com a recuperação mais lenta da bolsa brasileira quando comparada ao S&P 500.
Uma explicação possível para a menor atratividade da economia é a persistência da tensão política. Ainda que os ruídos sejam frequentes desde o início de 2019, a pandemia deu novos contornos ao problema. A visão internacional não tem sido favorável ao País e a leitura é que as dificuldades gerenciais e de comunicação enfrentadas em diversas áreas já há algum tempo se manifestam, neste momento, na baixa capacidade de coordenação do combate à pandemia.
O problema é que as expectativas dos investidores estão sendo formadas, em grande medida, pela eficiência no controle do contágio. Mesmo que a letalidade no Brasil esteja sendo baixa para padrões internacionais e a continuidade do aumento de novos casos e de mortes após quase dois meses possa indicar algum achatamento da curva de infecção, a leitura majoritária é que o processo será particularmente ruim no Brasil. O diagnóstico é que o País tem dimensões continentais e elevada diversidade, fazendo com que o contágio ainda não tenha alcançado integralmente todas as regiões, principalmente as mais pobres.
Com dúvidas sobre o controle da doença, os impactos sobre crescimento, contas públicas e ambiente político preocupam. Os números do primeiro trimestre e os indicadores de abril já mostram uma recessão aguda. Mas um confinamento mais longo e mais duro trará danos adicionais a uma economia já fragilizada. Uma crise financeira mais ampla e uma alta expressiva do desemprego podem comprometer a recuperação.
Este cenário possui implicações fiscais e políticas. Sem crescimento, há menos receitas em uma situação de despesas púbicas elevadas e crescentes. Justamente por isso, não há ainda uma estimativa segura sobre o tamanho do déficit primário do governo central. Os números, hoje na casa de 8% do PIB, podem aumentar de modo importante, agravando a preocupação com a trajetória da dívida pública.
Para piorar, dificilmente o ambiente econômico será neutro para o quadro político. O aumento do desemprego eleva a irritação social e gera mais ruídos políticos em um governo já naturalmente ruidoso. E caso fracassem os esforços para coordenar o enfrentamento da pandemia, a leitura será que a crise, inicialmente vista como global, seja percebida como resultado de erros domésticos¹, afetando de modo mais intenso a avaliação do governo.
Dependendo da intensidade da queda na aprovação do governo, as condições de governabilidade pioram e ampliam as dúvidas já existentes sobre a continuidade de uma gestão econômica responsável e sobre o avanço da agenda de reformas.
A ideia aqui é não é discutir cenários, mas mostrar como a facilidade em se desenhar situações críveis de descontrole econômico, fiscal e político pode ser um indício de que o País está perdendo a batalha da confiança. Este quadro reduz a previsibilidade e traz instabilidade aos preços de ativos. Em particular, o aumento dos prêmios de risco pressiona os juros futuros e fazem com que, a despeito de todos os estímulos do Banco Central, as condições financeiras piorem.
Isso tudo mostra que os ruídos políticos têm um custo elevado e concreto. O preço de todas as confusões cotidianas pode ser mais recessão e desemprego.
1 A politização da questão do confinamento pode ampliar os custos sociais, econômicos e políticos da pandemia. Abrão, Ana Carla “Mais que palavras”, o Estado de São Paulo, 12 de maio de 2020, e Ajzenman, N., Cavalcanti, T. e Da Mata, D. “More than Words: Leaders’ Speech and Risky Behavior During a Pandemic”, May/2020.
Roberto Padovani é Economista-Chefe do Banco BV