Código Florestal: o emaranhado no direito ambiental brasileiro, por Francisco de Godoy
O Supremo Tribunal Federal disponibilizou, no dia 12 de agosto, a ementa do acórdão proferido nas ADIs 4901, 4902 e 4903, ajuizadas pela Procuradoria Geral da República, e ADI 4937, ajuizada pelo PSOL, todas em questionamento da legalidade do Código Florestal e ADC 42, ajuizada pelo Partido Progressista – PP, com objetivo inverso, de sustentar a adequação da Lei nº 12. 651/12 com os preceitos constitucionais.
O julgamento era muito aguardado e demorou a tornar a forma pública de acórdão. Promulgado em 2012, após mais de 10 anos de tramitação no Congresso Nacional e com amplo debate da sociedade, mobilizada em audiências públicas e manifestações de toda sorte na imprensa, na academia e nos meios empresariais, o questionamento da constitucionalidade do Código causou grande atraso na implementação da recuperação ambiental que a Lei propôs e insegurança jurídica que atrapalha diversos setores cruciais da economia brasileira, do agronegócio ao saneamento público.
A sessão de julgamento ocorreu sob holofotes atentos em 28 de fevereiro de 2018, pouco antes que a Lei completasse seu 6º ano. Mesmo tomado o veredicto da corte Suprema, o acórdão não foi disponibilizado ainda na íntegra, e está longe de se tornar definitivo, haja vista os anunciados embargos de declaração que certamente serão apresentados, seja pela Ministério Público, seja pelos diversos amici curiae que participam do processo.
Com a disponibilização da ementa do julgamento, é possível fazer comentários preliminares sobre a luz no fundo do túnel no emaranhado cipoal que se tornou o direito ambiental brasileiro. Com efeito, duas questões fundamentais parecem estar melhor esclarecidas a partir deste julgamento.
Em primeiro lugar, o acórdão foi um marco fundamental da posição democrática do Supremo Tribunal Federal, ao referendar as decisões políticas do Poder Legislativo no tocante à disciplina do meio ambiente, refutando a aplicação do “princípio da vedação do retrocesso” em matéria ambiental. Principal fundamento das ADIs, este princípio foi uma construção doutrinária, incorporada por intelectuais que viam a necessidade de impor ao Poder Legislativo amarras que limitasse a possibilidade de revisão de normas protetivas do meio ambiente. Não se trata de um princípio previsto na Lei ou na Constituição, mas uma construção dogmática e jurisprudencial para a proteção dos direitos sociais adquiridos, cujas conquistas também já foram tidas como irreversíveis, mesmo que por Lei.
A corte suprema reafirmou, contrariamente a essa tese, que “as políticas públicas ambientais devem conciliar-se com outros valores democraticamente eleitos pelos legisladores como o mercado de trabalho, o desenvolvimento social, o atendimento às necessidades básicas de consumo dos cidadãos”, sendo absolutamente possível, e, porque não, desejável, permitir a revisão dos critérios de proteção ambiental sob paradigmas novos, que busquem o desenvolvimento sustentável sob uma forma ampla, que concilie o interesse do meio ambiente natural com o das civilizações humanas que nele se inserem.
Em segundo lugar, foi importante que o Supremo Tribunal Federal tenha afastado expressamente outro princípio inventado pela dogmática ambiental para justificar a prevalência de uma visão de mundo preservacionista que se sobreponha aos demais interesses tutelados pelo Estado. A ementa do acordão deixa claro que a tese de que a norma mais favorável ao meio ambiente deve sempre prevalecer (in dubio pro natura) não tem guarida em nosso ordenamento jurídico.
Esse postulado também tem grande importância para o aprimoramento da governança ambiental no Brasil. Afastando uma tendência jurisprudencial intervencionista visível em diversos tribunais da federação, especialmente em câmaras especializadas, o Supremo reconheceu “a possibilidade de o regulador distribuir os recursos escassos com vistas à satisfação de outros interesses legítimos, mesmo que não promova os interesses ambientais no máximo patamar possível”.
Essas são lições importantes e que devem trazer novas luzes aos debates sobre as políticas públicas ambientais no Brasil. De fato, é necessário que se reconheça que são os poderes políticos os mandatários legítimos para a disciplina dos direitos individuais, especialmente o da propriedade e da liberdade, que se desdobram na livre iniciativa de empresa e no desenvolvimento econômico e social. Cabe ao judiciário referendar, como fez o acórdão, esse preceito democrático, sucumbindo as tentações individuais dos juízes de transformar o poder jurisdicional em atividade política, de impor, com força de decisão judicial, a sua visão de mundo, ao arrepio da Lei e das escolhas do legislador.
Em um momento crucial para o Estado e para a democracia brasileira, se mostra ainda mais importante uma orientação nos rumos institucionais que o país deverá tomar, reconhecendo-se a soberania dos poderes constituídos para tomar decisão como mandatários do povo. É fundamental que o establishment ceda à tentação de impor limitações à soberania popular com fundamento em uma razão que não necessariamente representa soluções pragmáticas para os problemas que o país vive, especialmente na seara ambiental.