Uma novela piauiense, por Aprosoja Piauí
José e Joana chegaram no Piauí há vinte anos para formar uma fazenda e produzir. Compraram uma fazenda de um moço da região que disse ter comprado de outro que disse ter comprado do Estado há mais vinte anos dali pra trás. Se animaram! Tiveram licença do Ibama e financiamento do banco. Foi fila de gente querendo trabalhar pra eles. Nasceu filho e neto aqui. Viram o lugar se animar também. Até prefeito quis tirar foto com eles.
João e Josefa chegaram quase na mesma época, mas foram pra outra cidade, perto dali. Compraram uma fazenda de um moço que disse ter comprado de outro que disse ter sentença de juiz, papel de promotor e do Estado, tudo dizendo que estava certo. Pagaram o moço e no cartório receberam um papel bonito, com um selo que dizia ser do Poder Judiciário do Estado. Oxe, se animaram! O que poderia dar errado? Estado é Estado e juiz é juiz. Tiveram licença do Ibama e financiamento do banco. Fila de gente querendo trabalhar pra eles. Nasceu filho e neto aqui. Viram o lugar se animar também. Até governador quis tirar foto com eles.
Quinze anos se passaram e um Governador disse que aquilo não era bem aquilo. Tinha que consertar e quem pagou o Estado antes, pagou, mas quem não pagou tinha que agora pagar, pois como dizia o caboclo Fabiano, governo é governo. José e Joana assinaram um papel dizendo que o moço que vendeu pra eles tinha comprado de outro que já tinha pago o Estado. João e Josefa assinaram outro papel dizendo que o moço que vendeu comprou de outro que recebeu de uma sentença de um juiz, mas como não tinha pago o Estado, iria agora pagar. Fazer o que? Governo é governo...
Desse dia pracá já se passaram cinco anos deles batendo na porta do governo perguntando se deu certo. Às vezes é uma pessoa que abre a porta e diz que não; às vezes é outra pessoa que abre a porta e diz que não.
Mas agora foi outra pessoa, e dessa vez foi diferente. Ele disse que dessa vez daria certo, do jeito dele: o Estado que vendeu pro moço que vendeu pro moço que vendeu para José e Joana estava errado; estava errado o Juiz que sentenciou (e o promotor e o Estado que assinaram o papel) pro moço que vendeu pro moço que vendeu pra João e Josefa. Agora vai todo mundo ter que pagar de novo, pelo valor queo governo quiser, onde ele quiser (os que vieram de fora ficam em cima da serra, os que ele quiser ficam embaixo). Dependendo do tamanho da fazenda, só vai dar um pedaço e o resto tem que entregar pra ele. Não vai dar mais licença pra trabalhar enquanto não pagar e proibiu o cartório de dar aquele documento com selo do Poder Judiciário. Do jeito dele ninguém vinga...
Na saída da casa do governo os dois casais se encontraram. João desconsolado, Joana chorando, José zangado e Josefa pensando ‘por que eu deixei o sul’, pra onde aliás não tem mais porque voltar. Se misturaram ali naquele sofrimento. Como todo sertanejo é antes de tudo um forte (sim, depois de vinte anos todo mundo se torna sertanejo igual aos outros), levantaram a cabeça. João tomou uma decisão: iria procurar o moço advogado que uma vez procurou ele mas não quis escutar. Joana puxou José pela mão dizendo que iria ao Promotor perguntar por que o pau que estrala em Francisco não dói em Chico.
Josefa saiu atrás de João, e mais atrás deles iam 250 produtores rurais. Seguiam José e Joana outros 250.
E foi assim que o Piauí virou uma panela de pressão.
Moysés Barjud
Conselheiro Consultivo da Aprosoja/PI