A Lei do Alimento mais seguro (PL 3200/2015), por Lidia Cristina J. Santo
Longe das discussões ideológicas que envolvem o uso dos defensivos agrícolas, o presente artigo objetiva mapear os principais aspectos jurídicos do Relatório Substitutivo do Projeto de Lei n° 6.299/2002, que tramita na Câmara dos Deputados e trata do novo marco regulatório desses produtos, analisando a sua constitucionalidade em relação a dois temas: avaliação de risco e competência legislativa de Estados e Municípios.
Nos últimos dias, temos observado nos noticiários, de um lado ativistas ambientais protestando contra a aprovação do PL 6299/2015, chamando-o de “pacote do veneno”, e, de outro, produtores rurais, pesquisadores, professores e agrônomos, defendendo a modernização da Lei 7.802/89, por meio da aprovação deste PL.
Os contrários, em síntese, alegam que o relatório substitutivo propõe a inversão das prioridades constitucionais, ao privilegiar fatores políticos, sociais, econômicos e regulatórios em substituição aos fatores saúde, meio ambiente e consumidor.
Argumentam, ainda, que o PL traria uma flexibilização no controle atualmente exercido pelos órgãos de saúde e meio ambiente, além de suprimir a competência legislativa e comum dos Estados Federados e do Município.
Já os favoráveis dizem, em síntese, que o PL leva em consideração a evolução ocorrida no desenvolvimento dos defensivos agrícolas e insumos nesses últimos 30 anos. Alegam que a adoção da avaliação do risco no processo de aprovação desses produtos nada mais significa do que adotar os tratados internacionais já vigentes também para esses produtos. Por fim, apontam que não há flexibilização ou retirada de competências constitucionais previstas aos órgãos da saúde e meio ambiente.
Com a isenção que esse artigo se propõe a ter, é importante avaliar juridicamente os pontos aqui mencionados, de modo a entender se as propostas do PL em questão são ou não constitucionais.
No tocante à avaliação de risco, o PL propõe que seja utilizada integralmente no processo de registro dos produtos fitossanitários. Aos olhos dos contrários, isso representaria uma inversão de valores constitucionais.
Sem razão, contudo. A avaliação do risco é uma ferramenta científica de sistematização das informações disponíveis para a tomada de decisão. Envolve fatores políticos, sociais, econômicos e regulatórios e, é claro, a proteção à saúde e ao meio ambiente.
Sua importância é reconhecida internacionalmente há muitos anos, sendo utilizada, desde a década de 70, como ferramenta para a decisão regulatória por importantes agências como o EPA e o FDA, nos EUA, e a EFSA, na Europa.
Uma vez que o risco associado à determinada substância química tenha sido avaliado, esta informação deve ser utilizada para determinar como melhor gerenciar e regular tal substância. A avaliação do risco, assim, tem por objetivo identificar quais são os riscos possíveis no uso da substância. É com base nessa identificação que a Administração Pública terá condições de determinar o que é ou não aceitável.
A tomada de decisão sobre a permissão de uso do produto, portanto, não é flexibilizada e permanece na competência dos órgãos de saúde, meio ambiente e agricultura. Já no que diz respeito à competência legislativa dos Estados e Municípios, é importante entender que os limites dessas competências foram definidos pela Constituição Federal.
A União, e somente ela, poderá legislar sobre produção, registro, comércio interestadual, exportação, importação, transporte, classificação e controle tecnológico e toxicológico.
Os Estados e o Distrito Federal não poderão legislar sobre esses temas, mas poderão legislar, nos termos dos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, sobre o uso, a produção, o consumo, o comércio e o armazenamento de agrotóxicos, seus componentes e afins. Legislar nestes termos significa complementar ou suplementar a norma para o preenchimento de lacunas, em relação àquilo que não corresponda à generalidade, ou, ainda, para a definição de peculiaridades regionais.
O PL retrata esse entendimento em seu art. 9°, ao estabelecer que compete aos Estados e ao Distrito Federal, nos termos dos artigos 23 e 24 da Constituição Federal, legislar supletivamente sobre o uso, o comércio e o armazenamento de produtos fitossanitários e de produtos de controle ambiental e afins, bem como fiscalizar o uso, o armazenamento e o transporte interno.
Ao afirmar que os Estados e o Distrito Federal não poderão estabelecer restrição à distribuição, comercialização e uso de produtos devidamente registrados ou autorizados, salvo quando as condições locais determinarem, o Projeto de Lei não fere o que a Constituição Federal estabelece.
Dessa maneira, em relação aos pontos abordados nesse artigo, entendo, salvo melhor juízo, que as propostas são constitucionais.