Mais Quirinópolis e Menos Brasília
Nos últimos 25 anos tive a grata oportunidade de visitar diversas cidades no interior, observando o seu crescimento. Uma delas é Quirinópolis, em Goiás, um dos grandes exemplos da transformação econômica e social pelo agro-investimento.
Em 2012 fui convidado por uma das Usinas que se instalaram na região (são duas que começaram suas operações ao redor de 2005), a SJC, fruto de uma joint-venture entre a Usina São João (Família Ometto) e a Cargill, para lá passar uns dias. A SJC sofria aborrecimentos por parte de entes do Judiciário, e fiz mergulho nos dados de desenvolvimento do município, antes e depois da chegada das usinas, entrevistando desde o simpático prefeito, passando por gerentes de bancos, representantes de entidades civis, sindicatos, associações, movimentos sociais, entre outros e não foi difícil ajudar a elaborar a vitoriosa peça de defesa sob a ótica econômica e estratégica para este grupo na demanda do Judiciário.
Comprovamos todos os benefícios da instalação destas unidades, do desenvolvimento de produtores integrados de cana e quebrar os argumentos carregados de visão antiquada de mundo e algumas ideologias. Este material virou artigos e foi publicado internacionalmente, chamando a atenção do mundo pela transformação de uma região pobre pela agro-industrialização. Destaco apenas um dos 15 ou 20 indicadores que levantamos: antes da chegada das Usinas, Quirinópolis tinha 800 empresas, pouco tempo após, 3.300 empresas, desde hotéis, academias, pastelarias, empresas de material de construção e outros.
Sorte deu quem comprou terrenos urbanos na cidade e áreas rurais na região antes da chegada deste desenvolvimento. Um hectare valia R$ 6 mil em 2005 e R$ 25 mil hoje, 4 vezes mais em valores nominais. Um pequeno terreno urbano pulou de R$ 20 mil para mais de 120 mil reais.
Voltando a este mesmo grupo mais de cinco anos depois, com o privilégio de fazer a palestra de início de safra para mais de 150 produtores integrados e suas famílias, pude ver como cumpriram os planos de crescimento num momento tão difícil que o Brasil passou, pois foram de 4 para 9 milhões de toneladas equivalentes de cana, produzindo na safra que terminou 167 milhões de etanol, 375 mil toneladas de açúcar e 273 MWH de eletricidade onde antes eram pastos. Tem 3.600 empregados (2.800 na agrícola), com uma massa salarial mensal de R$ 21 milhões que são gastos na região. Também recolhem R$ 23 milhões de impostos nas três esferas mensalmente, possibilitando obras públicas, educação, saúde e outros gastos de nossos governos, fora tudo o que compram das empresas locais.
Conheci o mais novo investimento (feito em 2016), de cerca de US$ 50 milhões, instalado em uma de suas usinas unidade anexa para obter etanol pelo processamento de milho. Uma tonelada de milho, quando processada, gera cerca de 400 litros de etanol, 300 kg de DDG (composto proteico úmido, como se fosse um bagaço), 70kg de um proteinado seco e 15 litros de óleo, que são excelentes para alimentação animal.
A vantagem destas usinas flex (milho e cana) é a de usar o mesmo espaço, a mesma equipe gerencial, reduzir ociosidade (o processamento de milho pode funcionar 340 dias por ano e a cana 260 dias) e compartilhar parte da unidade industrial para as duas entradas de matéria prima (à partir da fermentação os processos se juntam). Apenas esta unidade moeu 300 mil toneladas de milho em 2017, e tem condições de chegar a 500 mil, gerando oportunidades ao plantio de 60 a 100 mil hectares na região, tirando o peso do transporte.
Mas o mais interessante dentro dos modernos conceitos da economia circular, é a presença deste grande volume de material proteico (subprodutos do processamento) servindo de ração animal e estimulando a presença da pecuária de corte (confinamento) e de leite ao seu redor, usando como alimentação do gado algo localmente produzido. Depois, todo o esterco gerado pode ser tratado e volta à cana e ao milho como fertilizante. Exemplo puro de economia circular e sustentabilidade.
Finda a palestra, no jantar com os produtores e suas famílias onde só lanço perguntas e ouço as respostas, percebi o ânimo das pessoas da agricultura em seguirem em frente e curiosos para as novas chances de investimento em confinamento e produção de leite na região para criar, capturar e compartilhar renda, gerando mais oportunidades às pessoas.
Chego ao hotel extremamente animado com o que aprendi, a tempo de ver os jornais da noite. Saí de Quirinópolis e caí no mundo de Brasília, recebendo uma ducha de água gelada com o resumo do vergonhoso dia do Supremo Tribunal Federal, que dispensa comentários. Mas para desespero destes “cidadãos da toga”, além de outros tantos que nos drenam os impostos de Quirinópolis, ilhados da realidade econômica e social do Brasil, parece que a sociedade está acordando e percebendo que no Brasil do futuro precisamos de... mais Quirinópolis e menos Brasília. Como costumo dizer, parece que a turma que “paga o condomínio” cansou da turma que “não paga o condomínio” e dos que “gastam e roubam o condomínio”. Pode ser o início da grande mudança.
Marcos Fava Neves é Professor Titular da Faculdade de Administração da USP, Campus de Ribeirão Preto. Especialista em planejamento estratégico do agronegócio (favaneves@gmail.com).