Foi o elitismo de Winston Churchill que derrotou Hitler, não o seu populismo, por João Pereira Coutinho
Concordo com Elio Gaspari, em coluna para esta Folha: o filme "O Destino de uma Nação" demoniza a figura de Lord Halifax. Injusto. Em 1940, Halifax estava disposto a negociar a paz com Hitler?
Era uma opção perfeitamente racional: com a França de joelhos e os EUA ainda longe de entrar na dança, sem falar do pacto germano-soviético que mantinha a União Soviética na jaula (pormenor que os camaradas sempre esquecem), só um louco não contemplaria essa opção.
O próprio Churchill, antes da decisão final, ponderou todos os cenários. Mas recusou-os. Por quê?
Sim, porque entendeu que a rendição seria o primeiro passo para Hitler rasgar qualquer acordo (como rasgou com Stálin) e transformar a Inglaterra num "estado escravo".
Mas o filme sugere uma outra razão e a cena do metrô é exemplar: ali vemos Churchill viajando com o povo e percebendo que os seus compatriotas queriam continuar a lutar. Até o fim.
Leia a íntegra do artigo na Folha de S. Paulo.
Carnaval foi o abre alas do populismo e da hipocrisia que vem por aí (MÁRIO ROSA, no PODER360)
Festa foi uma metáfora das eleições; Jogaram bosta na Geni da política...
São 4h42 da madrugada de terça e este colunista está no sambódromo assistindo ao último desfile das escolas de samba do grupo especial, a apoteótica passagem da Beija Flor. Veja a que ponto cheguei: agora, sobrou pra mim comentar samba enredo… É um final melancólico para alguém que um dia teve pretensões de narrar os grandes acontecimentos. Mas, deixando minha decadência de lado, o carnaval deste ano foi o abre alas do que vem por aí: populismo e hipocrisia vão desfilar sob aplausos neste ano eleitoral.
O culpado de tudo? “Eles”, os “de terno e gravata”. Políticos, é claro! Os empreiteiros? Apareceram fazendo escárnio com o povo, esfregando notas em suas partes pudendas. O povo? O povo apareceu no papel de palhaço. A Beija Flor não foi a única escola a jogar bosta na Geni da política. Outras escolas também usaram a munição do estrume neste Carnaval.
A Tuiuti colocou Temer de vampirão, Mangueira Crivella, e por aí foi.
A bateria bateu forte.
Estamos nos tempos de falar mal da política. E isso dá votos e dá 10! Nota 10! nas apurações do Carnaval. Então, joga bosta na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir, ela dá pra qualquer um, maldita Geni! Nada contra as pessoas serem contra a política. Sou totalmente a favor. É direito de cada um ser a favor ou contra o que quiser. Democracia é isso aí, bicho.
Mas o Carnaval é uma metáfora das eleições de 2018, sobretudo das presidenciais. Afinal, é uma competição. E uma competição em que ganha quem levanta a avenida, arranca mais aplausos. E isso depende do samba enredo ou do discurso. A plateia está com ódio da política? Fale mal dela. O importante é ser campeã.
Falar mal da política é muito bom e mais adequado do que nunca. Mas o Carnaval, sem querer, mostrou a armadilha que existe nas opções do populismo maquiadas pela hipocrisia. Você até hoje viu algum samba enredo descascando um bicheiro do jogo do bicho? Será que a Beija Flor toparia esse tema? Será que a escola faria um samba contra as administrações municipais de Nilópolis, controladas politicamente pelo eterno patrono da escola Anisio Abraão David?
E as outras escolas? Detonaram traficantes, policiais corruptos, fiscais municipais que lesam a população das comunidades? É curioso, mas esses também são problemas do Brasil. Só que quando se escolhe resumir todos em um o resultado é a simplificação rasteira. O Carnaval foi só o abre alas: a eleição vai ter muita gente apontando o dedo contra os políticos apenas para conquistar o estandarte de ouro.
O problema, na vida pública, da hipnose intelectual é que ela produz um adormecimento em relação ao todo. O sujeito presta atenção apenas numa frase do refrão, desfalece e não pensa em mais nada. Só que a realidade precisa ser pensada como um todo. E o problema do Brasil é a política sim, mas a política também. É a política, a contravenção, o tráfico, o crescimento econômico, dezenas, centenas de temas.
Falar mal do inimigo público número 1 da bílis nacional pode render votos e troféus, mas pode também ser um meio de perpetuar tudo que está aí através da hipocrisia. Será que o desfile da Beija Flor, para ficar apenas num exemplo, passaria numa investigação severa? Ficaria provado que todos os recursos vieram de fontes lícitas e oficiais? Certamente sim, né? Porque senão teríamos a situação incoerente de uma escola atravessar a avenida cantando a indignação e o nojo contra a corrupção e o atraso e ao mesmo tempo cometendo crimes de sonegação, associação com o crime, lavagem de dinheiro.
Nesse caso hipotético, o povo seria palhaço duas vezes. Primeiro no enredo. Segundo por aplaudir entusiasmado quem denuncia as tenebrosas transações praticando-as, por baixo dos panos das fantasias. Mas…certamente não é este o caso e as escolas que desfilaram contra a política são exemplos imaculados de financiamento de seus desfiles, a prova de qualquer compliance.
Melhor assim. Resta, então, o populismo. Bem, vale tudo pra estar em primeiro no desfile das campeãs. Se o povo quer cantar refrões simplistas e seletivos, o importante é ganhar. A passarela eleitoral deste ano promete muita cantoria contra a política. Vamos aguardar o resultado no quesito evolução.
Carnaval do setor público (Rodrigo Constantino, na revista IstoÉ)
A vida é dura, especialmente para o brasileiro, e o leitor tem total direito de relaxar um pouco no clima carnavalesco. Mas o assunto aqui é muito sério, e se trata do carnaval do setor público. Os privilégios da casta superior que ocupa os cargos de governo são simplesmente insustentáveis, e sem uma reforma liberal nossa economia estará fadada ao abismo.
Existe algo muito perto de uma luta de classes no Brasil, mas os capitalistas não são os exploradores, como queria Marx, e sim os explorados, ao lado dos trabalhadores. São eles que precisam ralar dobrado para sustentar um Estado inchado, com muitos marajás. Não há onde essa discrepância seja maior do que nas aposentadorias. O rombo da Previdência dos servidores públicos está chegando a incríveis R$ 300 bilhões! Em todas as esferas de poder há déficits crescentes, e a aposentadoria consome parcelas significativas da arrecadação fiscal. A conta não fecha. Ou algo é feito agora, ou será catastrófico nosso amanhã.
O governo Temer parece ter desistido da reforma previdenciária. A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, ainda insiste na batalha, apesar de forte resistência dos grupos de interesse. O déficit do Regime Próprio de Previdência Social do Município de São Paulo foi de quase R$ 5 bilhões em 2017 (mais de 10% da receita municipal), e a gestão de João Doria apresentou um projeto de lei na Câmara de Vereadores para reformular o sistema e trazer os servidores públicos para um regime autossustentável, sem privilégios.
A reação, claro, não tardou. Os sindicatos de servidores, especialmente da educação, já estão anunciando greve e mobilizando seus vereadores para o confronto inevitável. Mas para bancar essa farra dos servidores, a sociedade paga o pato. O valor que sobrou para investimento na cidade foi de apenas R$ 1,1 bilhão. Faltam obras, políticas públicas do interesse de todos, pois os funcionários aposentados consomem o grosso do orçamento.
A solução não pode vir do aumento de arrecadação, pois o Brasil já tem imposto demais, e isso representa um fardo enorme nas costas de quem produz riqueza. Além disso, as despesas com os aposentados crescem em ritmo bem maior do que as despesas com os servidores ativos. Há um problema estrutural, que simplesmente não pode ser solucionado com mais receita.
Trocando em miúdos, ou o Brasil enfrenta o problema dos gastos públicos com coragem e transparência, ou teremos problemas econômicos ainda mais graves em breve. O carnaval pode estar animado, mas depois vem a realidade. E a dura realidade é que o carnaval do setor público impede o povo trabalhador de ser feliz durante o resto do ano. Passou da hora de declarar guerra aos privilégios do setor público.
Texto originalmente publicado na revista IstoÉ