Quantificar Convicções Passadas - um posicionamento diferente sobre a importação de Café

Publicado em 24/02/2017 18:53
Por Celso Vegro - IEA

O impasse envolvendo a importação de café por parte do Brasil se arrasta há mais de uma década. Até mesmo as operações de drawback não puderam ser implementadas devido a intransigência de “lideranças” da produção. Ao princípio de 2015, uma operação, envolvendo arábica originado no Peru, quase conseguiu quebrar esse entrave, mas devido ao esfacelamento do governo anterior, não houve como continuar com essa importação (lobbies da cafeicultura barraram o assunto).

Os opositores das importações argumentam que há suficiente disponibilidade do produto, mesmo considerando a espantosa quebra de safra de conilon do norte do Espírito Santo. Dizem-no com razão, pois em anos de safra considerada “normal”, o fluxo de café para mercado interno (torrefadoras e solubilizadoras) e externo (exportação e solubilizadoras) demanda o esvaziamento mensal de 20 a 22 armazéns de 200 mil sacas! Realmente precisa haver café, e muito café, para garantir tão portentoso fluxo. Aqueles que apregoam a existência de estoques deveriam parar com achismos e se dar conta de que, mesmo tendo estoques o fluxo de produto, é de tal magnitude que mesmo uma pequena restrição afeta o suprimento, ainda que apenas no curto prazo.

Alguns cafeicultores se queixam da falta de planejamento do segmento, o que provoca o aparecimento de crises, numa hora beneficiando os industriais e exportadores, e em outras (mais raramente) os produtores. Em safras passadas, o governo federal lançou mão dos contratos de opções públicas para aquisição de café. A política foi bem-sucedida por ter entesourado a fazenda pública e fornecido lotes atuais para a realização de leilões, arrefecendo, minimamente, a escassez de oferta. Não internalizar definitivamente essa ferramenta no escopo da política cafeeira consiste em miopia dos gestores, pois, uma vez implantada, permitiria a superação da política de preços mínimos para o produto tão demandada pelo segmento, e daria cores de política de mercado para o planejamento.

Outro erro comum dos que lutam contra as importações consiste na crença de que, uma vez liberadas, concederiam vantagens competitivas para a grande indústria de capital internacional frente às pequenas e médias nacionais e familiares. O processo de consolidação do segmento sempre existiu e ganhou maior impulso a partir da corrente década e deverá continuar com ou sem importações liberadas. Tal fenômeno pertence à dinâmica do capital aplicado em qualquer segmento em que, por meio dos ganhos de escala, potencializa suas margens2. Ademais, no maior país produtor e exportador e segundo maior consumidor, carece-se de empresas verdadeiramente grandes capazes de participar do cenário internacional, barganhando com os grandes conglomerados do varejo.

A consolidação do segmento, tampouco, poderia inverter a trajetória da qualidade que se imprime ao mercado desde meados dos anos 1990. No expressivo contexto dos espressos, das cápsulas e dos cafés certificados, tal retorno é algo muito improvável, mesmo porque nos chamados cafés de combate inexiste praticamente margem para o fornecedor, enquanto nos produtos considerados especiais e gourmet, a margem ronda os dois dígitos. Ninguém dá tiro no pé!

A impossibilidade de constituir blends com produto importado é reconhecido componente que impediu o Brasil de se credenciar como plataforma global para negócios em café. Inúmeras plantas fundadas em países concorrentes trocaram o Brasil por outros territórios (México, Vietnã, Indonésia, Índia e China), onde existem regras para as importações. O mais angustiante, como bem lembrou recentemente outro analista desse mercado3, se no país não se põe em prática o drawback, em outro que o adota será feito o produto e essa substituição do Brasil conduz ao naufrágio qualquer esforço doméstico de avanço na cadeia de valor com geração de renda e empregos, algo sempre destacado/invejado nas comparações entre Pindorama e Alemanha, sendo que o primeiro inclusive entrega parcelas crescentes de seu mercado para produto processado com origem na União Europeia4.

No panorama da cafeicultura mundial, o Brasil desponta enquanto líder inconteste. Marcos regulatórios de diversas naturezas, que parametrizam a cafeicultura no país, encontram-se à frente inclusive de países de maior grau de desenvolvimento, como por exemplo, o nosso Código Florestal. A reinvindicação de compliance (seguimento a regras de conformidade similares às nacionais) para impedir a entrada de novas pragas e doenças inexistentes no país, e evitar que prática de dumping no mercado interno decorrente da adoção de modalidades de trabalho sub-humanas, são enfaticamente aventadas. Assim, os cafés certificados por empresas de reconhecimento internacional (UTZ, Rain Forest, 4C) teriam mais facilidade em acessar ao mercado brasileiro, trazendo consigo preços mais elevados decorrentes da acreditação concedida pelos respectivos selos. Alternativamente, caso não seja possível emitir complianceno país de origem do produto, poder-se-ia insti-tuir tarifa adicional, visando equalizar o nacional ao preço  do produto devido às exigências legais aqui vigentes.

Os cafeicultores brasileiros, aparentemente, desconhecem a informação de que o país é fornecedor de produto para nossos concorrentes no mercado internacional. Em 2015, por exemplo, México, Indonésia, Índia, Vietnã e Colômbia importaram 844 mil sacas de café brasileiro5, representando 51% do total dos embarques para países produtores. Paradoxalmente, as “lideranças” não enxergam problemas em comercializar com concorrentes; porém, importar deles consiste em algo impensável.

O propalado conceito de agronegócio talvez (ou certamente?) não possa ser efetivamente aplicado à cadeia produtiva do café. A ausência quase que completa da celebração de contratos em âmbito das transações é um dos fatores que colocam o segmento à mercê de políticas pusilânimes. A agroindústria de T&M e de solubilização precisam constituir melhor governança e coordenação nessa cadeia, abandonando a organização do suprimento pautada pelo mercado spot de preços diários, para outro em que produtores e industriais assumam compromissos de longo prazo com delineamento contratual dos direitos e deveres das partes envolvidas em termos de preços, quantidades e qualidade da bebida.

Não se pode eximir de culpabilidade pelo imbróglio das importações os próprios cafeicultores e seus líderes, pois, ao aferrarem-se em posicionamentos claramente especulativos, ou seja, promover retenção do produto sob cenário de escassez, contribuem para esgarçamento dos elos que constituem a cadeia e, com isso, o sistema como um todo se fragiliza, arruinando a credibilidade entre as partes.

O paralelo com a lavoura de cacau pode ser valioso. O Brasil importa amêndoas de países africanos e asiáticos desde que as lavouras do sul da Bahia foram dizimadas pela vassoura de bruxa, sem que compliances fossem exigidas para ingresso do produto no país. Atualmente, tendo sido encontrada genética e forma de manejo capazes de convívio com a doença, o Brasil vem reconquistando posição de destaque na produção cacaueira e em breve pode até retornar como exportador dessa commodity, consolidando o Pará como território líder na produção (ressurgimento da lavoura em patamares superiores de tecnologia e produtividade). Portanto, importações podem ser benéficas para o segmento considerando prazos mais elásticos.

Debatedores prós e contras, confinados ao campo da retórica, tendem a permanecer no impasse. Governo pusilânime assiste ao esgrimir de argumentos sem se pronunciar ou, quando o faz, de forma pouco assertiva (análises estão sendo feitas, etc.). Para desembaraçar o novelo, requer-se quantificação econômica da empreitada, coisa para a qual apenas os especialistas em comércio exterior estão efetivamente gabaritados6. Verdadeira sopa de siglas se perfila quando se trata de conduzir uma importação: Terminal Handling Charge (THA); Bill of Landing (BL - taxa de conhecimento do embarque); International Ship and Port Facility Security (ISPS); Drop Off Fee (taxa de devolução por contêiner); Inicial Licence Fee (ILF – taxa de registro por contêiner); e Damage Protection Plan. Ademais, a esse coletivo de emolumentos se somam os conhecidíssimos PIS, COFINS, IPI, ICMS, Adicio-
nal ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMN), Adicional de Indenização do Trabalhador Portuário Avulso (AITP) e quarentenário.

Valendo-se dos parâmetros observados em 22/02/2017, uma saca de café robusta embarcado FOB em Ho Chi Minh/Vietnã custaria, depois de computados todos os custos de aquisição, logística e desembaraço da mercadoria, entre R$645,12/sc. para mercado interno e R$473,65/sc. em operação de drawback com quarentena. Importante ressaltar que o custo FOB porto Ho Chi Minh alcançaria R$403,00/sc. (R$128.960,00/320 sc.), ou seja, acréscimo de R$70,65/sc. de custos da operação7 (Tabela 1).

Comparativamente aos preços atualmente praticados no mercado físico para o produto capixaba, em 22/02/2017, o conilon tipo 8 na praça de Vitória, Estado do Espírito Santo, foi cotado a R$411,00/sc. (até 13% de unidade para processamento industrial)8, sendo, portanto, expressiva a diferença frente ao custo do produto importado em operação drawback com quarentena (de R$56,40/sc.).

O critério adotado para a autorização das importações (antes de sua suspensão) previa quantidade de 250 mil sacas por quatro meses, totalizando 1 milhão de sacas. Aplicar-se-ia imposto de importação de 2% e sobre qualquer volume excedente em 35%. Como se pode constatar, a autoridade comercial foi bastante cautelosa na concessão da medida, pois perante uma safra de 50 milhões de sacas, o produto importado representaria apenas 2% da quantidade colhida, sem hipótese, portanto, de causar qualquer tipo de prejuízo aos cafeicultores e trabalhadores dessa cadeia produtiva.

Como mencionado, o debate em torno da importação de café pelo Brasil manteve- -se no campo da retórica (inclusive por este analista que o artigo assina). A quantificação da operação como a esboçada no texto parametriza economicamente o assunto, permitindo aos agentes econômicos formularem a estratégia mais adequada para suas necessidades. Outras origens e tipo (arábica) demandam idêntica simulação; tal desdobramento, porém, fica a cargo daqueles que ainda se interessam pela pauta.

 

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Fonte: Celso Vegro - IEA

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