O furacão Donald Trump e o agro brasileiro, por Flávio França Jr.

Publicado em 11/11/2016 15:35
Flávio França Junior é Analista de Mercado, Consultor em Agribusiness e Diretor da França Junior Consultoria

Caros amigos. Mais uma vez, em função de inúmeros compromissos profissionais acabei impossibilitado de escrever essa coluna nas últimas semanas. Mas não dá para reclamar de trabalho, não é mesmo? Então, vida que segue e bola para frente, que o mundo está se movendo. E como está se movendo. Nesta última semana, para a surpresa da grande maioria (nem tanto para os eleitores norte-americanos), o empresário Donald Trump foi eleito o 45º presidente dos EUA. Muito tem sido escrito sobre as incertezas inerentes a esse resultado e este é o cerne da questão: a imprevisibilidade. O que acontecerá com os EUA e o mundo a partir de 20 de janeiro de 2017? Quem governará a maior potencia do planeta, o falastrão, arrogante e intempestivo Donald Trump, ou o conciliador presidente eleito Donald Trump dos dias pós-eleição?

Nada fácil escrever sobre esse assunto. Especialmente depois do show de erros promovidos nesta eleição pela imprensa em geral, analistas políticos e institutos de pesquisa.  A imprensa e os analistas políticos, quase de forma unânime, ignoraram o grau de insatisfação presente em próximo de 50% daqueles eleitores que decidiram sair de casa para votar (lembrando que nos EUA a eleição não é obrigatória, e a abstenção ficou na casa dos 45%). E que mesmo de forma silenciosa e envergonhada pelo perfil histriônico de seu candidato, optou pela mudança abrupta de direção na política do país. Quem votou em Trump não o fez pela sua exótica cabeleira e seu bronzeado cor de laranja, ou por suas manifestações machistas, sexistas ou racistas. O fez porque está com raiva e quer mudança. Não está feliz e está furioso com a imprensa, com os analistas políticos e com os políticos tradicionais.

E, como vimos nesse incrível 2016, este não é um fenômeno isolado nos EUA. Basta relembrar da surpresa geral com o resultado do plebiscito decidindo pela saída dos britânicos da União Européia. Tendência essa que pode se tornar dominante em outros países da região, como a Itália e a França. Do resultado das eleições na Argentina (no final de 2015). Da vitória do Não no plebiscito sobre o acordo de paz entre o governo da Colômbia e as FARC. Basta lembrar do resultado das eleições municipais no Brasil. Movimento que tende a se repetir por essas bandas em 2018. A insatisfação é geral e essa guinada à direita e ao não tradicional não deveria ser considerada uma surpresa, posto o fracasso das políticas mais “esquerdistas” dominantes em grande parte do mundo. Está caindo de maduro, bastando apenas que alguém, ou um personagem, consiga capitalizar essa insatisfação. Quem paga a conta não aguenta mais. Quem paga a conta está de saco cheio.

Além do espanto geral, a eleição desta semana trouxe impacto imediato bastante forte sobre o mercado. É o financeiro tentando precificar toda essa imprevisibilidade, fugindo do risco e se ancorando em ativos mais seguros. Em um primeiro momento tivemos queda nas bolsas de valores, petróleo, commodities agrícolas e metálicas. E alta do dólar e do ouro.  Na sequência mantivemos o petróleo, as agrícolas e as metálicas em baixa, mas foi revertido o movimento das ações, que passaram a subir com a possibilidade de incentivos do novo governo a diversos setores da economia doméstica, que atualmente atravessam problemas, e aos positivos indicadores de emprego nos EUA.  

Mas por que essa reação tão forte do mercado? Em campanha, Trump defendeu ideias muito além de conservadoras, como: saída dos EUA da Otan; rompimento de acordos comerciais, como o caso da Transpacífico; endurecimento da política de imigração, com expulsão de ilegais e construção de muro na fronteira com o México; mudança na política fiscal, com mais estímulos internos e mais barreiras externas, como imposto de 35% aos produtos mexicanos e de 45% aos produtos chineses; e rompimento de acordos ambientais. 

Mas convenhamos, considerando a solidez das instituições norte-americanas, especialmente legislativo e judiciário, alguém imagina realmente que ele conseguirá implementá-las? Será que ele conseguiria isolar efetivamente o país e viver apenas do incentivo ao mercado doméstico? Sabemos bem e estamos sentindo na pele o resultado desse tipo de pensamento aqui no Brasil. Por isso acho muito pouco provável que aconteça. Entendo que não é momento de precipitação e desespero, pois o bicho pode não se revelar tão feio assim. O negócio é deixar a poeira baixar e as abóboras se acomodarem na carroça, porque ele tende a cair mais para o centro e se tornar um típico governante republicano. Um pouco mais de protecionismo, sim. Algum retrocesso na questão ambiental, talvez. Endurecimento da política de imigração, certamente. Menos diálogo e menor ingerência na política externa, provavelmente. Mas barreiras comerciais e fechamento de fronteiras, muito dificilmente.

E o nosso agronegócio com isso? Inicialmente o mercado sentiu o impacto negativo sobre os preços nas diversas bolsas de futuros, como o caso da CBOT. Porém, observou também o impacto positivo da forte alta da taxa de câmbio sobre os produtos com vinculação ao mercado externo, abrindo espaço para uma nova rodada de negociações, enquanto muitos acreditavam que o ano já tivesse terminado. Lembrando que essa alta do câmbio também foi influenciada por aumento das tensões políticas aqui no Brasil. Fora isso, temos apenas a conjectura de que o aumento de barreiras comerciais atrapalhe nossas exportações de produtos como café, suco de laranja, etanol e carnes. Mas uma briga comercial com o México e com a China seria vantajosa para o Brasil.

Daqui para frente, não temos como evitar a utilização da palavra imprevisibilidade. Então, temos basicamente três caminhos a seguir. Na hipótese do caos nas relações comerciais dos EUA com o mundo, a alta do câmbio seria anulada pela queda nos preços internacionais e do consumo. Não vejo muita vantagem em segurar as vendas. Na hipótese de que a confusão seja observada apenas no Brasil, com a cassação do mandato do presidente Temer, aí há espaço para novas altas no câmbio e vantagens em segurar o produto físico em seus armazéns. E na hipótese de que estejamos diante apenas de uma bolha especulativa do câmbio e dos preços lá fora, a questão central seria adivinhar quando aconteceria o estouro e a reversão. Portanto, façam suas apostas!

Um “AgroAbraço” a todos!!!

www.francajunior.com.br e junior@francajunior.com.br

Fonte: Flávio França Junior

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