Soja Intacta e a Polêmica da Suspensão dos Royalties, por Eduardo Porto
Na semana passada, ao tomar conhecimento da concessão de uma tutela antecipada que proibia a cobrança dos royalties da Monsanto sobre a tecnologia Intacta, decidi me aprofundar no assunto e fiquei literalmente assustado.
Postei alguns comentários no “Fala Produtor” do Notícias Agrícolas, tratando de chamar a atenção, principalmente ao fato de que essa medida poderia gerar uma repercussão imediata na China que é o nosso principal destino de exportação.
Não me cabe discutir a legitimidade das partes para defesa de suas teses. Apesar de não ser Advogado e não querer parecer presunçoso, a experiência e o conhecimento de assuntos mais complexos, me permitem a construção de um posicionamento claro a respeito dessa controvérsia.
Acredito que os Agricultores representados na Ação possuem o Direito de pleitear o que lhes pareça correto, buscando esgotar todas as vias possíveis de negociação na defesa dos seus interesses.
Me parece, também, que a Monsanto têm o Direito inquestionável de remunerar-se através dos Royalties pelo desenvolvimento e comercialização da nova tecnologia incorporada nas Sementes Intacta.
O cerne do que quero expor não reside nas questões vinculadas aos Direitos das partes.
Minha preocupação está centrada nas consequências imediatas e de médio prazo que essa medida poderá acarretar no mercado comprador, pois isso traz um risco concreto de rejeição de embarques, justamente num momento em que o setor enfrenta uma situação econômica muito fragilizada.
Pelo fato de não termos uma cultura “exportadora” disseminada e devidamente compreendida por toda a Cadeia de Produção da Soja, existem procedimentos relacionados a comercialização que são absolutamente desconhecidos da maior parte dos Agricultores e até mesmo de grandes empresas Cerealistas ou Cooperativas.
Vou me concentrar na China pelo fato de estarmos embarcando para esse mercado quase 40 milhões de toneladas de Soja em grão.
Em termos gerais, pode-se afirmar que os chineses não possuem uma boa aceitação para os produtos transgênicos. Trata-se de um assunto extremamente polêmico por lá.
Entretanto, devido a melhoria expressiva da capacidade de consumo de centenas de milhões de habitantes nos últimos anos, incrementou-se muito a demanda por proteínas vegetais de ciclo curto para alimentação animal. Tal situação, foi a que justificou pesadamente a entrada da China no mercado internacional como Importador de Soja.
As importações chinesas destinam-se exclusivamente a transformação do grão em Farelo e Óleo, já que para o consumo humano, o País produz ao redor de 11 milhões de Soja Convencional (“GMO-Free”), majoritariamente, nas Províncias do Norte (Heilongjiang, Jiling e Liaoning).
A comercialização de qualquer variedade transgênica na China está subordinada a um rigoroso processo de avaliação e fiscalização, cuja rastreabilidade é determinada por embarque.
O Ministério da Agricultura da China (MOA) e o Departamento de Inspeção e Quarentena são os principais responsáveis pela liberação dos carregamentos agrícolas que ingressam no País.
No caso da Soja, as empresas de biotecnologia como a Monsanto, Basf, Dupont, Syngenta, Bayer, entre outras, devem necessariamente se submeter ao processo de aprovação prévia para efeito de comercialização.
Tomando a Monsanto como base, a empresa deve oferecer garantias concretas de que o produto originário das suas sementes transgênicas corresponde rigorosamente aos parâmetros aprovados.
Há uma enorme preocupação das autoridades chinesas em relação a qualidade, biossegurança e a sanidade dos grãos.
Para isso, exige-se que todo e qualquer Exportador seja devidamente certificado e registrado junto ao Ministério da Agricultura da China. Sem esta licença obtida por intermédio da Monsanto ou através das outras detentoras de tecnologias aprovadas, nenhum lote poderá ser liberado para ingresso no País. Da mesma forma, todos os Importadores estão submetidos a regras semelhantes que permitem o acompanhamento total do processo.
Trata-se de uma rede de informação complexa que possui diferentes níveis de responsabilidade envolvendo vários integrantes da Cadeia de Fornecimento.
A título de informação, transcrevo abaixo 3 links disponibilizados pelas empresas detentoras que demonstram os procedimentos para Registro de Exportadores:
https://www.monsanto.com/products/pages/china-safety-certificate-trader-forms.aspx
https://tradecertificates.bayercropscience.com
O assunto é tão sério para os chineses, que no ano passado foram cancelados contratos envolvendo mais de 600.000 toneladas de Milho Americano contendo uma variedade desenvolvida pela Syngenta, que naquele momento ainda não estava aprovada.
Empresas do porte da Cargill sofreram prejuízos milionários, assim como algumas Cooperativas que já estavam vendendo diretamente para aquele mercado.
Atualmente, é de conhecimento que alguns prejudicados estão processando a Syngenta por haver liberado a semente para comercialização, sob o argumento de que não houve a devida comunicação sobre o fato de que o produto estava pendente de aprovação na China.
Claro está que ambientes altamente regulados favorecem muito as grandes empresas do setor, pois o cruzamento de informações permite a verificação, por exemplo, se os Royalties recebidos de uma determinada região correspondem ou não ao volume de sementes comercializada.
Mesmo não querendo entrar no mérito do pleito judicial, é certo que o Agricultor possui o Direito assegurado por Lei de reservar uma parte das sementes adquiridas para o replantio, sendo expressamente vedada a revenda do produto. No entanto, é sabido que a comercialização de sementes pirateadas é uma prática que permanece disseminada em determinadas regiões.
Por outro lado, há que se considerar que as diferenças de produtividade, de região para região e mesmo de Agricultor para Agricultor, podem variar muito e ainda suscitar questionamentos por parte de qualquer um dos participantes da Cadeia de Produção no que tange aos valores que poderão ser ou não devidos a título de royalties.
Na essência, o objetivo da rastreabilidade é plenamente justificável. Porém, os custos indiretos desse processo não são demonstrados de maneira transparente.
Nesse sentido, é imperativo que o Agricultor tenha absoluto conhecimento dos procedimentos administrativos que terá de implantar, a fim de que a conveniência na adoção da tecnologia seja plenamente avaliada.
Na hora de vender a semente, fala-se muito dos benefícios e dos lucros potenciais, mas se discorre pouco ou quase nada sobre as obrigações.
O contexto está permeado de enorme desinformação, o que explica, em parte, o desentendimento constante em relação a parcela dos royalties que é cobrada na moega.
Concretamente, o percentual de 7,5% cobrado no recebimento se refere a lotes que não tenham tido a sua origem devidamente comprovada. Quem adquire a semente certificada, já paga os royalties que estão embutidos no preço.
A discussão tornada pública na semana passada transbordou para reclamações em relação ao custo das sementes.
No meu humilde entendimento, trata-se de uma questão de mercado e que nada teria a ver com a judicialização perseguida e/ou com a interferência do Governo no assunto.
Com o devido respeito a opiniões divergentes, me parece que ao admitir semelhante postulação, estaremos, ao mesmo tempo, abrindo o espaço para o debate de assuntos com elevado conteúdo ideológico e que definitivamente não interessam para a Agricultura.
Há que se mencionar também o elevado risco que a medida traz do ponto de vista econômico, pois a determinação judicial obtida em caráter provisório, por certo que não terá o poder de alterar a regulamentação do mercado chinês, apenas para citar o nosso maior comprador.
Os chineses tratam as importações de Soja de maneira estratégica, possuem “bala na agulha” de sobra para impor qualquer retaliação, seja de ordem tarifária ou não, em relação a Soja brasileira ou qualquer outro produto que lhes pareça conveniente.
Há poucas semanas do início do plantio, há que se levar em conta que milhares de adquirentes da Semente Intacta no Brasil afora, eventualmente, poderão não querer estar submetidos às incertezas de terem problemas de comercialização.
Finalizo as minhas ponderações com alguns questionamentos de ordem reflexiva:
Houve o cuidado de se estabelecer uma negociação prévia com o Governo Chinês acerca da necessidade de se mudar o sistema de rastreabilidade, por conta da insatisfação dos produtores com a cobrança dos royalties?
Tendo em vista a magnitude da controvérsia, no caso do pleito não resultar conforme esperado, quem assumirá os prejuízos que poderão advir?
As Tradings são responsáveis pela viabilização da maior parte do que é exportado para a China. Em muitos casos, também atuam como financiadoras da produção agrícola. A discussão sobre os efeitos e riscos da medida judicial contou com a participação delas?
O tema é amplo e bastante complexo, sendo no mínimo prudente que se estabeleça uma discussão transparente e pública, não limitada aos interesses mais imediatos de uma parte da Cadeia Produtiva.
Definitivamente, em matéria de Economia e Diplomacia Comercial, nós estamos muito distantes de sermos uma referência no Mundo.
Assista à entrevista de Eduardo Lima Porto ao Notícias Agrícolas, clique aqui