Mercado de açúcar: "Vôo cego", por Arnaldo Luiz Corrêa
O mercado futuro de açúcar em NY encerrou a semana com o vencimento julho de 2020 cotado a 11.88 centavos de dólar por libra-peso, uma queda 3 dólares por tonelada. Chama à atenção a queda significativa das cotações dos contratos de julho e outubro de 2022, que despencaram 11 dólares por tonelada, provavelmente devido à antecipação das usinas que estão fixando preços para mais adiante. A média linear de queda para a safra 20/21 do Centro-Sul foi de 10 pontos (2,20 dólares por tonelada). A 21/22 caiu 3.75 dólares por tonelada e a 22/23 quase 9 dólares por tonelada.
Há algumas semanas temos manifestado neste espaço nossa preocupação com relação à recente recuperação observada nos preços do açúcar no mercado internacional, bem como na valorização do real em relação ao dólar, tendo destacado, inclusive, que nos faltava pleno entendimento das razões dessa melhoria súbita uma vez que os fundamentos continuam ruins. Nessa semana, o mercado corrigiu.
Nosso ponto era, e continua sendo, que a situação da economia global inspira cuidados, em especial quando vemos renovadas as previsões que evidenciam o tamanho do buraco em que se encontra metido consumo mundial.
Embarcamos iludidos com a reabertura da economia americana e o que se seguiu foram picos no número de casos em estados como a Flórida e a Califórnia. Sinais de que uma possível segunda onda de contaminação da covid-19 se espalhou nos mercados globais, na última quinta-feira (feriado no Brasil) e levou consigo o açúcar.
Na semana encerrada na sexta-feira, as commodities em geral levaram um tombo seguindo o caminho trilhado pelos ativos de risco. A queda foi extensa: café e soja 2%, óleo de soja, gás natural, trigo e cacau, em média 3%, e o mercado de energia liderando, entre 7 e 8% de queda: gasolina, petróleo WTI e Brent.
Previsões já são normalmente difíceis de fazer quando o mar está calmo, imagine no meio de tanta turbulência. Focar nas fixações de preços do açúcar tem sido nosso mantra há meses e as usinas que assim o fizeram estão aliviadas. O real voltou a se desvalorizar frente ao dólar encerrando a semana com 2% de queda a 5,0516. O valor médio FOB linear para a safra 2021/2022 ficou em R$ 1,428 por tonelada. Algumas usinas conseguiram preços acima de R$ 1,500 e não faz muito tempo.
Como dissemos na semana passada, estamos todos tateando o mercado em completa escuridão. Não temos um padrão de comportamento que nos permita olhar para trás e identificar com acontecimentos passados. A situação é sem precedentes. Estão no mesmo pote uma crise sanitária, o derretimento da economia mundial (6% de queda no PIB dos EUA, mais de 8% na zona do Euro, 8.7% no Reino Unido), o petróleo sofrendo enorme pressão devido ao esvaziamento da demanda, a enorme incerteza se o covid-19 terá uma segunda onda e, como se tudo não fosse o bastante, lidar com governos autoritários.
Prever sem ter padrão é uma tarefa impossível. Hoje, o que as usinas tem de melhor em mãos é fazer o hedge do açúcar em NY convertendo-o para reais por tonelada. Os valores são remuneradores e bem acima do custo de produção (caixa) das usinas mais eficientes. O risco potencial negativo é uma subida acelerada do preço do petróleo combinada com uma desvalorização do real frente à moeda americana. Ainda assim, esse evento melhoraria o retorno do etanol não vendido.
Um grande grupo financeiro sediado em NY prevê que nos próximos três meses o açúcar deve ficar entre 10 e 12 centavos de dólar por libra-peso. Outros analistas sonham com 14 centavos de dólar por libra-peso já em julho. Pegue o melhor lhe agrada e faça sua estratégia. Opiniões opostas constroem o mercado.
Há uns dois anos, em São Paulo, num dos cursos semestrais de derivativos que ministramos ininterruptamente ao longo dos últimos dezesseis anos, agora suspenso por causa do covid-19, um dos alunos, pedindo a palavra para suas considerações finais no último dia de curso cunhou uma frase que achei magistral. Ele disse: “Professor, antes desse curso eu não sabia o que eu não sabia, agora eu já sei o que eu não sei”. A gente já sabe o que não sabe.
Uma luz vermelha se acende: o professor Delfim Neto acredita que em agosto o Brasil terá 25 milhões de desempregados em consequência de uma recessão profunda, que ainda não se mostrou em toda sua extensão, e ele estima em pelo menos 8% de queda, o pior desempenho na história republicana do Brasil.
Enquanto isso, lamentavelmente nenhuma estratégia parte do Palácio do Planalto para amenizar esse tsunami. O presidente Bolsonaro não age, não se solidariza com as mortes e gasta seu tempo e exaure seu capital político alimentando e produzindo crises sobre crises. Dos líderes das principais economias mundiais é o único que perdeu popularidade durante a pandemia. A imagem do Brasil no exterior, exatamente por causa das posições escabrosas assumidas pelo presidente diante do coronavirus, só deve ser melhor que a da Bielorrússia (o último ditador europeu há 25 anos no poder) ou do Turcomenistão (cujo presidente é vitalício). Haja paciência.
Um bom final de semana a todos.
Arnaldo Luiz Corrêa