Mercado de açúcar: Excepcionalidades e falácias, por Arnaldo Luiz Correa
Temos insistido há algum tempo acerca da tão esperada recuperação dos preços do açúcar no mercado internacional. Nossos argumentos, várias vezes discutidos aqui neste espaço, tinham seus alicerces na constatação da diminuição da disponibilidade de açúcar produzido no Centro-Sul, em função de as usinas terem privilegiado nesta safra a produção de etanol, que hoje paga mais de 200 pontos acima de NY, equivalente açúcar.
Também corroboraram para essa percepção [de melhores preços] o fato de a produção de ATR estar 5.34 quilos por tonelada abaixo da produção observada no ano passado, com enorme possibilidade de piora ao longo desta safra. Na formação do argumento construtivo tantas vezes aqui defendido, dois recentes eventos que atingiram o mercado não foram considerados por fazerem parte daquilo que podemos chamar de riscos escondidos, ou seja, daquelas excepcionalidades que ninguém poderia prever.
De um lado, a perturbação do mercado de commodities mundial após a declaração de Guerra Comercial entre as duas maiores economias do mundo, EUA e China, que derrubou o preço das commodities provocando uma debandada dos investidores para ativos com menos risco. De outro, a surpreendente declaração de moratória da Argentina que contaminou as moedas dos países emergentes com clara infecção na corrente sanguínea da moeda brasileira.
O último trimestre deste ano ainda não chegou, mas se aproxima com menor força de recuperação do que anteriormente se previra. E nós encontramos muita semelhança entre o comportamento do mercado futuro de açúcar e de café, duas soft commodities que parecem pertencer ao grupo que os fundos especulativos não-indexados elegeram para ficar vendidos como contraparte (diluindo riscos) das commodities em que eles estão comprados (energia, principalmente).
Haja vista que no acumulado do ano, as soft commodities sofreram grandes perdas: algodão caiu 18%, suco de laranja 17%, cacau 8%, açúcar 7% e café 5%. As commodities de energia, ao contrário, gozam de ganhos substanciais: petróleo WTI 21.5%, gasolina 17% e petróleo Brent 10%.
No açúcar, nota-se que qualquer tímida recuperação de preços no mercado futuro de NY é suficiente para que os fundos adicionem mais contratos vendidos, a ponto de hoje estarem – com base no número apurado na terça-feira e divulgado na sexta pelo CFTC – com uma posição global de 181 mil contratos (equivalentes a 9,2 milhões de toneladas de açúcar vendidos a descoberto). Acredita-se que com a movimentação havida de quarta-feira para cá, a posição vendida dos fundos é recorde. O açúcar oscila ao sabor dos fundos, dos algoritmos, dos robôs e dos negociadores de alta frequência. Fundamento que é bom, esquece.
Mercados que ficam fadados a um restrito e aborrecido intervalo de preços por longo tempo, como é o caso do mercado de açúcar em NY já há meses, atraem vendedores de opções, de calls (opções de compra) e de puts (opções de venda), pressionando o prêmio e derrubando a volatilidade. É isso que ocorre com as opções do açúcar hoje em dia.
A volatilidade está muito baixa: cerca de 20% anualizada, o que indica que vendedores querem apenas capturar os prêmios, pois não acreditam em mudança de faixa de preços e, portanto, confiam que não correm o risco de serem exercidos. Dinheiro fácil. Por esse racional mais gente vende e pressiona a volatilidade. Por outro lado, se a volatilidade cai é porque não há interesse de compra de proteção para baixo ou para cima, o que equivale a dizer que o mercado está feliz por ficar nesse intervalo enfadonho. Ninguém quer comprar calls porque não acredita que o mercado terá forças para subir, nem puts porque não acredita que o mercado pode cair mais.
O cenário que se desenha para setembro, que só começa na terça-feira pois segunda-feira é feriado nos EUA e as bolsas estarão fechadas, promete uma dose maior de volatilidade. Algumas usinas podem se sentir pressionadas por ainda não terem fixado seus contratos de exportação e podem ser forçadas a fazê-lo no último minuto.
Um executivo confessa que “jogou a toalha”, diz que esperou até agora uma melhora nos preços do açúcar em NY para decidir como direcionar a cana para moagem. Decidiu [acertadamente] pelo etanol. Algumas usinas fizeram wash-out de seus contratos de açúcar, pagando uma penalidade que compensava o ganho que obteriam direcionando a cana originalmente destinada à produção de açúcar para o etanol.
Rolar contratos comerciais de entrega de açúcar em aberto, que deveriam ter os preços fixados contra o vencimento outubro na bolsa de NY, para o vencimento março encarece demais a operação e aumenta o risco caso os preços não se movam. O spread outubro/março mostra um custo de 25% ao ano. Ou seja, rolar parece proibitivo.
Nossa aposta é que outubro deverá ter uma grande entrega. Faz todo o sentido para quem vai receber açúcar ficar com ele por até cinco meses, aproveitando um desconto imenso de 25% ao ano e apostando que de agora até o final de fevereiro do ano que vem os fundamentos irão se sobrepor. Validam a estratégia o fato de que o risco de baixa é limitado (etanol mais competitivo, pouca procura por puts, menor ATR, menos disponibilidade de açúcar, etc).
O potencial de ganho do recebedor do açúcar pode até se dissipar (não acredito), mas se – ao contrário - vier incorporado com todas as notícias construtivas mencionada entre parênteses no parágrafo anterior, ainda com a piora dos números a serem publicados pela UNICA, a mesma excepcionalidade observada recentemente pode nos remeter a um criadouro de cisnes negros.
NY fechou a 11.14 centavos de dólar por libra-peso uma queda expressiva no acumulado do mês. Meus 17 fiéis leitores devem estar preparando o e-mail para me provocar por ter afirmado que ficar vendido a 12 centavos de dólar por libra-peso era loucura.
Bom final de semana a todos.
Arnaldo Luiz Corrêa